sábado, 28 de fevereiro de 2015

Dineia Dutra: a arte da gravura

Apesar da morte prematura, ocorrida em 1988, aos 34 anos, Dinéia Dutra foi uma das artistas mais produtivas e que maior acervo deixou para a história das artes plásticas em Goiás, no segmento da gravura em metal. Iniciou seus estudos no Instituto de Artes da Universidade Federal de Goiás em 1975, graduando-se no ano de 1978 em Artes Visuais com especialização em gravura. No Instituto, foi aluna de Cleber Gouvêa e fez parte do grupo de artista que sempre frequentou o atelier de D. J. Oliveira, tendo a oportunidade, com esse convívio, de aprimorar sua técnica de gravura em metal, tendo em vista a importância desse artista como professor dessa técnica e mesmo da qualidade do acervo produzido por ele mesmo como gravurista.

O Matemático: gravura em metal de 1982

De 1975 a 1987 Dinéia participou de 24 exposições, sendo a maioria delas em galerias de Goiânia, além de expor também em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Produziu quatro álbuns e recebeu cinco prêmios em Mostras e Salões tendo em vista a qualidade técnica de sua produção.
Apesar do empenho e da pesquisa no desenvolvimento de uma produção artística baseada na gravura – principalmente a gravura em metal – Dinéia dedicou-se também, se bem que em menor escala, à pintura sobre tela, técnica em que seu trabalho foi pouco divulgado, ficando sua produção restrita ao acervo de alguns poucos amigos. Figuras humanas e naturezas mortas foram os temas utilizados nessa técnica, enquanto que na gravura, houve sempre uma variedade maior de propostas temáticas, com preocupações sociais, de gênero e séries voltadas para a representação de atividades infantis.
Família: preocupação social no trabalho de Dinéia Dutra

Ao se abordar a produção artística de Dinéia, é possível levantar algumas questões relacionadas à sua preocupação com o discurso de gênero e ao engajamento político da artista como pessoa atuante e de grande envolvimento com as questões sociais. Através de algumas de suas gravuras é possível perceber questões como a da maternidade, encontrada no trabalho de mesmo nome por um viés relacionado ao gênero e também, como pode ser encontrada em outro trabalho intitulado “Família”, onde uma denuncia social aparece com características bem mais expressivas que a questão percebida na gravura anterior.
Uníssono: tema infantil

Relacionamentos, crendices, religiosidade, trabalho, são temas abordados com intensidade pela artista, assim como questões vividas e vivenciadas na infância, como os jogos infantis, a música e a representação teatral.
O potencial do trabalho elaborado por Dinéia Dutra pode ser visto não apenas na técnica e no desenvolvimento do processo de produção e definição da temática, mas também na maneira e na preocupação com que a artista trabalha a composição e as cores, quando as utiliza em cada trabalho. Em decorrência de material de ateliê preservado, é possível ver a maneira como as cores eram trabalhadas principalmente nas gravuras com temática infantil, onde a sequência, composição e seleção de tonalidades eram procuradas com o máximo rigor, inclusive com a utilização de canetas hidrocor sobre as provas, na tentativa de visualização das várias possibilidades de cor. É possível perceber também a interferência em algumas provas, onde a artista inseria novos personagens na tentativa de elaborar melhor a composição e o equilíbrio da imagem.

Hoje suas gravuras aparecem no acervo dos principais museus e galerias de Goiânia, assim como de várias coleções particulares em várias cidades brasileiras. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

frei Confaloni e arte mural

Processo artístico em que Confaloni esteve envolvido por praticamente toda a sua vida como pintor, não podemos deixar de mencionar, foi o afresco. Trata-se de uma técnica de pintura mural, cujo nome provém do italiano fresco, consistindo na pintura executada, geralmente sobre uma base preparada com gesso ou mesmo com uma nata de cal ainda úmida, onde o artista trabalha utilizando pigmentos puros diluídos em água. Em decorrência dessa maneira de aplicação da tinta sobre a base especificada, as cores penetram no revestimento e, ao secarem, integram-se ao suporte em profundidade, deixando de ser uma simples pintura, passando a integrar a superfície na qual foram aplicadas. Nesse caso, o suporte para esse tipo de pintura pode ser uma parede, um muro ou mesmo o teto de uma edificação, sendo que a durabilidade do trabalho será tanto maior quanto mais seco for o clima da região, pois, em regiões de clima úmido a possibilidade de rachaduras nos suportes – parede, muros ou tetos – com prejuízo para a pintura é muito maior.
Segundo Tirello (2001, p. 72), o afresco

é a pintura executada com pigmentos destemperados, simplesmente com água pura sobre, sobre uma argamassa ainda fresca. O processo do afresco usufrui a propriedade da cal de formar – com a areia, a água e as cores – uma estrutura cristalina, resistente e impermeável após a secagem.

Demanda, esse processo, o uso de uma paleta de cores predominantemente minerais quase (no dizer de Tirello) constantes e previsíveis. Já no século I, em seu Tratado de Arquitetura, Vitrúvio (2006, p. 268), ao falar sobre os revestimentos em um edifício diz que, no caso do afresco

as cores, quando são aplicadas diligentemente com o revestimento húmido, não desaparecem, mas, por isso mesmo, permanecem para sempre, porque a cal, ao ser cozida nos fornos, esvaída de água e com porosidades, obrigada pela secura, apodera-se de tudo o que nela por acaso toca; e, ao tornar-se sólida, congrega partículas ou elementos nas misturas caracterizadas por várias propriedades, sendo formada por todas essas partes do todo, de tal maneira que, ao secar, surge revelando as qualidades que lhe são próprias.

Observa-se ainda que não basta ao artista muralista o conhecimento da técnica e do processo de preparo das cores. Esse tipo de trabalho requer ainda um bom entendimento de composição e uso racional do espaço disponível, tendo em vista a distribuição harmônica de planos e ângulos de visada.
E foi exatamente o reconhecimento quanto ao valor do trabalho desenvolvido por Confaloni no uso dessa técnica que despertou no bispo de Goiás o interesse por ver afrescos de sua autoria expostos nas paredes da igreja do convento dominicano da antiga Vila Boa. Observa-se ainda que, mesmo não sendo avaliado previamente, o clima de Goiás era um fator que contribuía grandemente para o desenvolvimento de tal processo artístico.

Afrescos da igreja do Rosário, em Goiás.

De acordo com Silveira (1991, p. 24),

É no afresco “Jesus Cristo Crucificado”, realizado três anos depois, durante a ocupação alemã, que vemos manifestados os primeiros avanços do que seria o seu estilo característico (...). É principalmente nas faces das figuras, nos pés de Cristo e no tratamento do segundo plano que vemos pela primeira vez o nascente estilo do artista, marcas de sua personalidade impressas na arte da pintura sacra.

No entanto, apesar de já aparecerem nesse afresco as características que marcariam para sempre sua produção, foi em um outro trabalho realizado cerca de dezesseis anos mais tarde, para a mesma capela de São Pedro Apóstolo, que, ainda segundo Silveira (1991, p. 24), Confaloni

dá mostras do vigor da técnica e do avanço do enfoque, agora permitindo um tratamento mais solto. Nele, vemos surgir, ainda que timidamente, o estilo que iria arrebatá-lo cada vez mais (...). É, em tudo, um trabalho onde surpreendemos o artista antevendo sua verdadeira arte, trilhando decididamente o caminho que o levaria longe.

Antes de embarcar para o Brasil, frei Confaloni, na seqüência do processo de desenvolvimento de sua formação como artista já havia participado de algumas exposições na Itália, destacando-se entre elas, o Salão Minerva de 1948, em Roma e de uma Coletiva em Milão, no ano seguinte.

pintura mural na capela particular dos padres Dominicanos em Goiás

Seu primeiro trabalho artístico no Brasil, como estava previsto, constituiu-se da execução de quinze painéis em afresco, representando a via sacra e a coroação da Virgem, no interior da igreja de N. S. do Rosário, ligada ao convento dominicano da cidade de Goiás. Trabalho já amadurecido em seus conceitos estéticos e ligado às tendências do modernismo europeu que, diga-se de passagem, foi totalmente incompreendido pela população vilaboense que chegou mesmo a hostilizar o artista. Mas também, como não hostilizar,

se já não bastasse um padre pintor e que, às vezes, andava em público sem batina – excentricidade máxima para os devotos daqueles tempos – como não se chocar com aquelas “figuras grotescas”, cujas anatomias “distorcem os ângulos de visão dos observadores?” (Silveira, 1991, p. 31),

numa pintura que apresentava o Cristo com uma expressão pouco usual, representava Nossa Senhora no momento da anunciação, insinuando sua gravidez, tudo isso em meio a figuras fantasmagóricas que mais assustavam que convenciam dos fatos religiosos ali retratados.

painel sobre os desbravadores na estação ferroviária de Goiânia

            Ao final da execução desses afrescos, Confaloni conhece Luis Augusto Curado, amigo de D. Candido Penso, escultor, pintor, gravurista, à época professor de matemática na Escola Técnica, em Goiânia. Curado que, desde a década anterior, participava da Sociedade Pró-Arte de Goiás, vinha batalhando, juntamente com outros membros da instituição, pela implantação de um curso de artes na nova capital, precisando para tanto, da adesão de novos artistas que pudessem contribuir com seus conhecimentos para a formação do corpo docente da nova escola.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A arquitetura portuguesa no Brasil


 Com o descobrimento do Brasil, e com o posterior interesse da Coroa portuguesa em sua exploração, várias foram as formas de ocupação buscadas.
Em 1549, vem para a colônia o primeiro grupo de padres da Companhia de Jesus, comandados por Manoel da Nóbrega, com o intuito de colaborar na ocupação e colonização do novo território. Tal colaboração, já definida previamente, deveria ter seu enfoque centrado principalmente na educação, dividida, em decorrência das circunstâncias impostas pela situação da nova colônia, em três pontos principais: a catequese, para os nativos; a educação formal, para os filhos dos colonos; e a formação de novos sacerdotes, criando, assim, os primeiros seminários do novo mundo português.
Segundo John Bury (1991, p. 43),

A conseqüência lógica do duplo papel dos membros da Companhia de Jesus no Brasil como missionários e como professores foi que, movidos pela necessidade, eles acabaram por se tornar os mais empreendedores entre os primeiros construtores da colônia e, em virtude de seu prestígio e suas habilidades, os principais expoentes do desenvolvimento da arte e da arquitetura brasileira, durante os dois primeiros séculos da colonização,

o que levou Lúcio Costa, em seu artigo “A arquitetura jesuítica no Brasil”, a afirmar que “as obras dos jesuítas, ou pelo menos grande parte delas, apresentam o que temos de mais antigo”, além de representarem, “as composições mais renascentistas, mais moderadas, regulares e frias, ainda imbuídas do espírito severo da Contra-Reforma”.
Edifício das Missões Jesuíticas no sul do país.
Próximos a esses edifícios em severidade e formalismo, podem ser encontrados aqueles representantes da arquitetura oficial, também com características marcadamente maneiristas.
Caminho diverso, entretanto, segue a arquitetura característica das nossas primeiras residências. Os edifícios residenciais do Brasil, durante o período colonial, desenvolvem-se segundo as características próprias da arquitetura popular portuguesa, notadamente aquela produzida nas regiões onde a influência moura mais se destacou. São métodos e técnicas construtivas que denotam não só uma cultura, mas também um modo de organização social próprio dos povos ibéricos que viveram sob o domínio dos árabes.
Arquitetura residencial de caráter tradicional na cidade de Goiás

Temos, portanto, que, em todos os aspectos, a arquitetura produzida no Brasil, dos primeiros séculos se apresenta menos como arquitetura brasileira do que como uma arquitetura que reflete tudo que os portugueses desenvolveram em seu próprio território.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

arquivo de projetos II

A cidade de Goiás guarda hoje um dos mais interessantes arquivos de projetos, relativos às décadas de 1920 e 1930, apresentando material desenvolvido em papel vegetal, papel linho, papel milimetrado, entre outros. Alguns foram construídos e se apresentam ainda hoje tal qual o projeto; outros estão totalmente descaracterizados e, outros ainda, supõe-se, nem foram construídos. Entre esses projetos, abrigados pelo Arquivo Frei Simão, encontramos a residência projetada por Walter Sócrates para B. Costa, cuja fachada se encontra hoje tal qual aparece no desenho.


Projeto encontrado no Arquivo Frei Simão

Datado de 1924 – data que aparece na parte central da platibanda – este projeto elaborado por Walter Sócrates do Nascimento é um dos edifícios ecléticos da cidade de Goiás que mais exprimem o caráter desse modelo arquitetônico.
O uso do porão alto, proporcionando a elevação do edifício em relação ao nível do terreno, além do uso de serralheria artística nas aberturas de ventilação voltadas para a via pública;
divisão da fachada marcada por falsas colunas, organizada em três blocos de larguras diferentes, apresentando cada uma delas, elementos decorativos diferenciados, tanto no que se refere aos relevos em massa, como à marcenaria artística das janelas;
escada de acesso terminando em um pequeno alpendre cujo bloco de fachada se encontra recuado em relação aos demais;
uso de elementos decorativos tais como linhas curvas, frisos, festões, cimalha;
emprego de platibanda cujo desenho se altera em função do bloco de fachada a que pertence e,
como já foi visto nas explicações de Nestor Goulart sobre esse modelo arquitetônico, a implantação em um terreno de largura considerável, permitindo um pequeno afastamento de um lado e, do outro, oferecendo espaço suficiente para a implantação de um pequeno jardim ornamental, cujo muro, rebaixado e elaborado com uso de elementos vazados, permite ao transeunte uma visão total do jardim.
Hoje, tanto a fachada quanto os elementos decorativos encontrados no portão e no muro do jardim lateral, são os mesmos encontrados nos desenhos.
Fachada principal do edifício

Detalhe da vazadura do muro do jardim