Augusto,
metal brilhante!
Com
atenção, com carinho e prazer atravessei o século vinte em companhia do meu
amigo Dirceu, visitando lugares, humanos muito humanos, característica central
da classe trabalhadora brasileira, da Velha capital e das minas gerais,
percorrendo um itinerário bastante peculiar entre a metrópole cosmopolita e
hedonista de todos os brasis até o interior mineiro, de quietude ensimesmada
tão marcante no mundo rural brasileiro.
E ele
me apresentou pessoas, gente que trabalha, constrói e perpassa os causos e
imaginações, capazes que são - e o foram - de construir a identidade nacional,
com todos os tropeços e obstáculos colocados pela dominância de um patriarcado conservador
e ciosos de seus privilégios, capaz de tudo para mantê-los. Do Meyer a
Conceição da Barra de Minas os tropeços e obstáculos são superados com denodo,
perspicácia e alegria. A brincadeira que roda e rola ao redor e por dentro dos
estimulantes encontros de famílias, de amigos, de patrões quase empregados e
trabalhadores quase patrões nos indica um convívio fraterno onde a troca de
saberes acontece entre aqueles que chegam e aqueles que estão, fazendo com que
mesmo em ritmo lento os acontecimentos do dia a dia se confundam com a vida,
com o longo prazo, com a construção da historia.
Na
escrita do Dirceu, não se sufoca o afeto e este não se encerra nem é contido,
se levanta e se espraia nos córregos e rios dos gerais, nas ruas dos subúrbios
cariocas e nas descobertas constantes: da música, do cinema, da vida cotidiana,
incorporando os bordões publicitários no seu contexto de época e nos ajudando
também a entender aspectos inusitados de nossa história cultural, do “tipo
faceiro” salvo pelo rum creosotado, passando pelo Biotônico Fontoura, pelo
Regulador Xavier - que tinha a “confiança da mulher”-, o bonde, repaginado hoje
como veiculo leve sobre trilho - , o som da cidade, as esperas e paqueras, uma
cultura feita de sonhos, do assistir e reter aquilo que às elites endinheiradas
era objeto de prazer...
Mas o
“mundo gira e a Lusitana roda”.
E no
grande painel traçado pelo Dirceu, elementos centrais da formação de varias
gerações de brasileiros aparecem com naturalidade: o rádio - Nacional! - o
cinema de Clark Gable a Oscarito, do novelão à chanchada, passando pelos nossos
sambistas e chorões, o futebol, Albertinho Limonta, Mamãe Dolores que se forma
a partir dos preconceitos racistas que O tempo Levou, mas que na nossa doce
ingenuidade na naturalização das diferenças forjadas pelo nosso patriarcado...
E são
muitas e diferenciadas as lições. Nada mais estimulante do que saber do Adail,
que “(...) mantem sempre um comportamento antirracista, inimigo das
desigualdades, um anarquista (...) dedicando grande esforço para conviver com
esta desigualdade, tornou-se mesmo sem esta noção, um socialista”. E mais, um
brasileiro que acredita em seu país e guarda um capital de esperanças
inesgotável...
Assim,
no momento em que os capitães do mato saem de suas tocas e se põem à caça, o
presente exige a força das convicções sempre presentes na vida dos
trabalhadores. É educativo - e transformador - atentar para o cuidado presente
na transmissão do conhecimento entre todos fazendo com que especialidades se
destaquem e mesmo a força do senso comum no fazer das coisas e edificação das
idéias, como argamassa de sustentação da construção social; esta, ao lado da
solidariedade e da alegria lapidam a dureza da vida, dando condições para temperar
o aço e o sentido da esperança a esta imensa legião de humilhados e ofendidos
que construiu e constrói este pais.
Dirceu,
obrigado por nos lembrar da força do povo e dar um sentido esperançoso à vida,
tão necessário quando o ovo da serpente está por eclodir, no ano em que Bergman
faria cem anos, para nos remeter ao cinema, tão presente nas tuas memorias!
Um
grande abraço do
Lenine.
PS -
Não sei se foi delírio, mas me pareceu ouvir um chorinho nos entremeios da
escrita, misturada a um grito de gol em um Fla-Flu iniciado uns dois mil anos
antes do nada...
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