sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

arquitetura brasileira I

REFLEXOS DA ARQUITETURA IBÉRICA DE ORIGEM ISLÂMICA
NA ARQUITETURA BRASILEIRA 

No decorrer do século XX, dois importantes trabalhos foram elaborados relacionando a arquitetura brasileira a uma matriz ibérica de origem muçulmana. O primeiro deles, intitulado Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira, de autoria do médico e historiador da arte José Marianno Filho, publicado nas primeiras décadas do século XX, buscava nessas referências as bases que justificariam sua preocupação e defesa em relação a uma arquitetura de caráter eminentemente brasileiro, que seria o Neocolonial.
É sabido de todos os que se interessam pelo estudo da história da arquitetura brasileira que José Marianno Filho e o arquiteto português radicado em São Paulo, Ricardo Severo, foram os maiores defensores e teóricos desse modelo arquitetônico que, por longo tempo foi relacionado ao ecletismo e que, só agora, iniciado o século XXI, começa a ter reconhecimento e estudos específicos, no sentido de melhor entendimento com direito a ocupar um espaço próprio na linha de desenvolvimento de nossa arquitetura. Foi também Marianno Filho incentivador de pesquisas, chegando mesmo a bancar viagens de alunos de arquitetura às cidades mineiras do período colonial para organizarem estudos e levantamentos visando uma maior compreensão das técnicas e do modelo tradicional como base para futuros projetos em que o Neocolonial fosse a principal referência, já que acreditava ele ser esse o modelo arquitetônico que melhor representava nossa cultura, baseada nas tradições que formaram e estruturaram o Brasil ao longo já de quatro séculos de existência.

Escola projetada por José Amaral Neddermeyer com caracterristica neocolonial

Ao longo do período em que esses estudos se desenvolveram, é histórico o desentendimento entre Marianno Filho e um de seus alunos mais promissores, Lúcio Costa, quando este, abandonando o barco do Neocolonial, vinculou-se ao Modernismo corbusiano, naquele momento o principal inimigo a ser combatido pelo grupo liderado por Marianno, o que se constituiu em um duro golpe no andamento dos estudos e pesquisas organizados pelos neocolonialistas. Convém observar que, inicialmente, as baterias dos defensores do Neocolonial estavam todas voltadas contra a arquitetura de caráter eclético e academicista de origem européia que, segundo Marianno Filho e seus seguidores, representava uma interferência pouco construtiva ao bom entendimento de nossas tradições e fazeres arquitetônicos.
O segundo trabalho, de autoria do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, intitulado a herança mourisca da arquitetura brasileira, já iniciada a segunda metade do século, trazia um outro enfoque ao assunto, objetivando, nesse momento, mostrar em que medida a influência da arquitetura ibérica de origem islâmica contribuiu para o desenvolvimento de uma arquitetura de caráter modernista, eminentemente brasileira.

projeto de Lúcio Costa utilizando balcão e elemento vazado, influência da arquitetura mourisca

Kneese de Mello, que se gabava de possuir o registro de n° 1 do IAB-SP – Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção São Paulo – foi um dos grandes defensores da arquitetura moderna, tendo ao longo de sua vida publicado livros, artigos e inúmeros estudos, além de proferido palestras e conferências sobre a arquitetura brasileira, em especial aquela produzida no século XX.

Assim, dois estudos sobre o mesmo assunto são apresentados com objetivos de interesses opostos, ou seja, cada um pretendendo defender seu ponto de vista – o Neocolonial de José Marianno Filho e o Modernismo de Eduardo Kneese de Mello – utilizando os elementos mouriscos como base e referência para suas teorias: a influência islâmica na arquitetura ibérica como base para o desenvolvimento (ou retomada) de uma arquitetura tradicional por um lado, e por outro, essas mesmas influências como elementos fundamentais do desenvolvimento de uma arquitetura nova, modernista.  

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Construções religiosas em Vila Boa de Goyaz II

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA BOA MORTE

 



Construída inicialmente no largo do Chafariz, ou da Boa Morte, pela Irmandade dos Homens Pardos, a capela de Nossa Senhora da Boa Morte já aparecia em desenhos datados de 1751, ao lado da Casa de Câmara e Cadeia, um edifício de um único pavimento. Apesar da existência nesse mesmo largo, de edifícios e monumentos importantes, como a Casa de Câmara e Cadeia, o Quartel dos Dragões e o Pelourinho, foi pelo nome da capela que ficou conhecido o largo, durante muito tempo, assim como o chafariz, construído um ano antes da transferência da capela para o largo do Palácio.

Em 1762, por iniciativa do capitão de cavalaria Antônio da Silva Pereira, teve início a construção da capela de Santo Antônio, que utilizava os alicerces de uma das casas pertencentes a Bartolomeu Bueno da Silva. Tal capela deveria atender aos militares em suas necessidades religiosas, e contou, para a construção, segundo o padre Des Genettes (1980), com uma provisão datada de 6 de setembro daquele mesmo ano.
Entretanto, a proibição quanto à existência de templos pertencentes a militares fez com que os mesmos doassem à Irmandade dos Homens Pardos, a construção inacabada de sua igreja, que foi então por eles concluída e ocupada em 1779. A partir de então, passou a Irmandade dos Militares a se reunir na Matriz de Sant’Anna, onde teve um altar dedicado ao seu santo padroeiro.
Único edifício religioso da região de Vila Boa a apresentar na fachada elementos característicos da arquitetura barroca, a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte apresenta ainda, em seu interior, a nave na forma de um octógono retangular. Possui dois altares laterais, sendo um dedicado a Nossa Senhora das Dores e a outra a Nossa Senhora do Parto, além de corredores laterais à capela-mor ligando-a à sacristia, situada em sua parte posterior.
Em decorrência da irregularidade do terreno e da forma como o edifício foi implantado criaram-se dois jardins, sendo um deles dotado de um pequeno poço, além de abrigar a torre sineira, uma estrutura de madeira lavrada, encimada por uma cobertura de telha canal de quatro águas, com inclinação bastante acentuada, com forma piramidal.

Essa igreja possuiu, segundo Cunha Mattos (1984), pintura a fresco, da qual não existe hoje nenhum registro, e serviu como Catedral de 1874, com o desabamento da igreja Matriz, até 1967, quando essa função retornou para a igreja de Sant’Anna.
De acordo com Suzy de Mello, em determinado momento da evolução da arquitetura religiosa mineira, a altura da nave era ampliada, dando espaço à implantação de um segundo pavimento com a finalidade de atender às necessidades da mesa diretora da Irmandade. Surgia assim, de acordo com essa autora (MELLO, 1985, p. 139) sobre a sacristia, e com a mesma área desta, um salão, denominado consistório, destinado a abrigar a Irmandade em suas reuniões.
Em Vila Boa, a única igreja a apresentar tal modelo evolutivo é a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, observando-se aqui que, o que em Minas Gerais se apresenta como evolução e passa a se incorporar às novas construções, em Goiás aparece de maneira esparsa e geralmente sem atender à mesma seqüência desenvolvida nas Gerais, e como geralmente a sacristia estava situada entre dois corredores laterais que lhe serviam de acesso, também esse espaço era aproveitado em um segundo pavimento para a instalação das tribunas, geralmente abertas para dentro da capela-mor, de onde as figuras ilustres assistiam às celebrações, resguardadas do contato com o geral da população.
Na igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, as tribunas apresentam-se situadas sobre os altares laterais, com abertura em verga de arco abatido e parapeito de balaústre torneado dando para a nave, sendo o seu acesso feito pela sala do consistório.

Duas outras igrejas em Vila Boa apresentam tribunas na parede lateral, todas abertas para a nave, o que possibilita a visão da capela-mor, permitindo às pessoas que ali se encontram, assistirem aos ofícios, o que não acontece na igreja da Boa Morte, onde, pelo fato de ser a nave de formato octogonal, e as janelas das tribunas (uma de cada lado) situadas nas faces que definem o octógono, a visão do altar-mor fica obstruída em decorrência do ângulo formado com a parede do arco cruzeiro. Sua localização demonstra mais uma preocupação estética do que propriamente uma necessidade de possuir tribunas, já que compõem um conjunto singular com duas paredes com janelas falsas, duas aberturas laterais no coro e duas grandes envasaduras que se defrontam, que são o arco cruzeiro e o arco central do coro.


Essa igreja é, por suas proporções e pelo esmero dos detalhes de sua fachada, o edifício que mais se impõe no conjunto arquitetônico da cidade de Goiás.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A arte de Elder Rocha Lima

CERRADOS, VEREDAS E GERAIS

               (PINTURA, DESENHOS E GRAVURAS)
  

              
Após receber o título de Doutor Honoris Causa, na PUC-GO, Elder Rocha Lima pensou em fazer uma exposição que fosse quase uma mostra retrospectiva de seu trabalho. No entanto, questões ocorridas no desenvolvimento do processo acabaram por transformar a mostra em uma de suas melhores exposições, mostrando o fôlego, a expressão e a criatividade com que o artista desenvolve o seu trabalho. Também para a galeria Beco das Artes, onde a exposição aconteceu, foi  um momento de real importância, com a apresentação dos trabalhos de um dos mais expressivos artistas goianos.
As peças apresentados nessa mostra, ainda que perdendo a caracterização como uma intenção de retrospectiva tem a função de trazer ao conhecimento daqueles que se interessam por arte em Goiás, a obra de um dos principais artistas goianos cuja produção se concentra na segunda metade do século XX e início do XXI.
De acordo com o próprio artista, representam esses trabalhos “mais um exemplo de temas prediletos e algumas técnicas preferidas que cercam meu trabalho há mais de 40 anos, representando variados tempos individuas de produção”, estando aí presentes as pinturas em tela, as gravuras e alguns desenhos em bico-de-pena, com temática predominantemente “vinculada à paisagens urbanas de nossas cidades goianas do período colonial e vistas do cerrado, campos gerais, veredas e matas de galeria. As cidades representadas são Cidade de Goiás, Pirenópolis e Corumbá de Goiás”.


Nessas paisagens, tanto as urbanas quanto as rurais, o que o artista pretende, sobretudo, é imprimir sua total empatia com o cenário paisagístico goiano, sem marcar nenhuma intenção direta ou indireta de pronunciamento ou de bandeira de defesa ecológica.
O que ele busca com a seleção dos trabalhos aqui expostos é o seu enquadramento no panorama cultural do planalto central, especificamente daquilo que se vem conceituando denominar como cultura cerratense e/ou cultura goiana, entendendo de maneira especial o que se pretende como regional é o melhor caminho que conduz a um universo cultural de maior amplitude.
Constitui-se essa mostra de 13 telas, pinturas trabalhadas com a técnica de têmpera vinílica sobre tela, com as dimensões de 70 x 90cm. As tintas utilizadas são preparadas pelo próprio artista, em seu ateliê, e enquadram-se na classificação genérica de tintas acrílicas.
Quanto ao processo de trabalho, é perceptível a preferência de Elder Rocha Lima pelo gestualismo, onde se apresenta uma expressiva liberdade no ato de pincelar, sem qualquer controle ou pretensão disciplinadora. A soma de gestos é que formata a composição, conferindo à tela ou ao desenho esse aspecto aparentemente caótico, principalmente no que se relaciona aos detalhes, tendo, no entanto que se admitir a existência de efeitos ocasionais de forte expressividade.


Esse aparente caos, de acordo com Elder Rocha Lima, “aproxima-se do cerrado no seu aspecto fractal, ao invés de uma fisionomia próxima a geometria euclidiana. Essas observações não pretendem ‘explicar’ minhas condutas pictóricas, mas sim esclarecer alguns aspectos da minha fatura plástica”.
E é a recente e intensa convivência, com a cidade de Pirenópolis que, provavelmente, determinou o eixo condutor dessa exposição, onde a maioria das telas representa paisagens extraídas de andanças pela Serra dos Pireneus, onde as largas visadas, os amplos horizontes comparecem dentro de todo um conceito artístico e de vivência já experimentados por Elder Rocha Lima.
Embora não negue a influência de certos artistas ditos acadêmicos, a forma como os trabalhos de Elder são desenvolvidos, demonstra uma clara concepção espacial, totalmente livre, indo da perspectiva renascentista à perspectiva paralela dos artistas orientais, ambas utilizadas por ele como fonte inesgotável de pesquisa. Momento em que essa perspectiva paralela pode ser observada com maior intensidade é na produção de naturezas-mortas, em que o artista usa de total liberdade, conseguindo as visadas que tão bem caracterizam seu trabalho.
Utilizando o papel como suporte, encontramos nesta mostra, dez trabalhos onde foram utilizadas as técnicas gráficas de desenho a nanquim (bico-de-pena), monotipia (cópia única), serigravura, fusain e aquarela. Alguns desses trabalhos são declaradamente figurativos como os desenhos de figura humana e as cenas urbanas de caráter regional; outros apresentam intenção plástica mais livre, chegando mesmo ao nível da abstração.



Os trabalhos apresentado nessa exposição são, em sua maioria de cunho figurativo, com certas características intencionalmente documentais, trabalhados, no entanto, com liberdade estilística e, em certos casos, conscientemente contida e limitada por esse determinante.
Para esse mês de dezembro de 2013, Elder Rocha Lima já prepara outra exposição na galeria Beco das Artes, com o título "Experimentações sobre Papel", com desenhos e pinturas e técnica mista , tudo sobre papel, uma das grandes paixões do artista.