sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

frei Confaloni e arte mural

Processo artístico em que Confaloni esteve envolvido por praticamente toda a sua vida como pintor, não podemos deixar de mencionar, foi o afresco. Trata-se de uma técnica de pintura mural, cujo nome provém do italiano fresco, consistindo na pintura executada, geralmente sobre uma base preparada com gesso ou mesmo com uma nata de cal ainda úmida, onde o artista trabalha utilizando pigmentos puros diluídos em água. Em decorrência dessa maneira de aplicação da tinta sobre a base especificada, as cores penetram no revestimento e, ao secarem, integram-se ao suporte em profundidade, deixando de ser uma simples pintura, passando a integrar a superfície na qual foram aplicadas. Nesse caso, o suporte para esse tipo de pintura pode ser uma parede, um muro ou mesmo o teto de uma edificação, sendo que a durabilidade do trabalho será tanto maior quanto mais seco for o clima da região, pois, em regiões de clima úmido a possibilidade de rachaduras nos suportes – parede, muros ou tetos – com prejuízo para a pintura é muito maior.
Segundo Tirello (2001, p. 72), o afresco

é a pintura executada com pigmentos destemperados, simplesmente com água pura sobre, sobre uma argamassa ainda fresca. O processo do afresco usufrui a propriedade da cal de formar – com a areia, a água e as cores – uma estrutura cristalina, resistente e impermeável após a secagem.

Demanda, esse processo, o uso de uma paleta de cores predominantemente minerais quase (no dizer de Tirello) constantes e previsíveis. Já no século I, em seu Tratado de Arquitetura, Vitrúvio (2006, p. 268), ao falar sobre os revestimentos em um edifício diz que, no caso do afresco

as cores, quando são aplicadas diligentemente com o revestimento húmido, não desaparecem, mas, por isso mesmo, permanecem para sempre, porque a cal, ao ser cozida nos fornos, esvaída de água e com porosidades, obrigada pela secura, apodera-se de tudo o que nela por acaso toca; e, ao tornar-se sólida, congrega partículas ou elementos nas misturas caracterizadas por várias propriedades, sendo formada por todas essas partes do todo, de tal maneira que, ao secar, surge revelando as qualidades que lhe são próprias.

Observa-se ainda que não basta ao artista muralista o conhecimento da técnica e do processo de preparo das cores. Esse tipo de trabalho requer ainda um bom entendimento de composição e uso racional do espaço disponível, tendo em vista a distribuição harmônica de planos e ângulos de visada.
E foi exatamente o reconhecimento quanto ao valor do trabalho desenvolvido por Confaloni no uso dessa técnica que despertou no bispo de Goiás o interesse por ver afrescos de sua autoria expostos nas paredes da igreja do convento dominicano da antiga Vila Boa. Observa-se ainda que, mesmo não sendo avaliado previamente, o clima de Goiás era um fator que contribuía grandemente para o desenvolvimento de tal processo artístico.

Afrescos da igreja do Rosário, em Goiás.

De acordo com Silveira (1991, p. 24),

É no afresco “Jesus Cristo Crucificado”, realizado três anos depois, durante a ocupação alemã, que vemos manifestados os primeiros avanços do que seria o seu estilo característico (...). É principalmente nas faces das figuras, nos pés de Cristo e no tratamento do segundo plano que vemos pela primeira vez o nascente estilo do artista, marcas de sua personalidade impressas na arte da pintura sacra.

No entanto, apesar de já aparecerem nesse afresco as características que marcariam para sempre sua produção, foi em um outro trabalho realizado cerca de dezesseis anos mais tarde, para a mesma capela de São Pedro Apóstolo, que, ainda segundo Silveira (1991, p. 24), Confaloni

dá mostras do vigor da técnica e do avanço do enfoque, agora permitindo um tratamento mais solto. Nele, vemos surgir, ainda que timidamente, o estilo que iria arrebatá-lo cada vez mais (...). É, em tudo, um trabalho onde surpreendemos o artista antevendo sua verdadeira arte, trilhando decididamente o caminho que o levaria longe.

Antes de embarcar para o Brasil, frei Confaloni, na seqüência do processo de desenvolvimento de sua formação como artista já havia participado de algumas exposições na Itália, destacando-se entre elas, o Salão Minerva de 1948, em Roma e de uma Coletiva em Milão, no ano seguinte.

pintura mural na capela particular dos padres Dominicanos em Goiás

Seu primeiro trabalho artístico no Brasil, como estava previsto, constituiu-se da execução de quinze painéis em afresco, representando a via sacra e a coroação da Virgem, no interior da igreja de N. S. do Rosário, ligada ao convento dominicano da cidade de Goiás. Trabalho já amadurecido em seus conceitos estéticos e ligado às tendências do modernismo europeu que, diga-se de passagem, foi totalmente incompreendido pela população vilaboense que chegou mesmo a hostilizar o artista. Mas também, como não hostilizar,

se já não bastasse um padre pintor e que, às vezes, andava em público sem batina – excentricidade máxima para os devotos daqueles tempos – como não se chocar com aquelas “figuras grotescas”, cujas anatomias “distorcem os ângulos de visão dos observadores?” (Silveira, 1991, p. 31),

numa pintura que apresentava o Cristo com uma expressão pouco usual, representava Nossa Senhora no momento da anunciação, insinuando sua gravidez, tudo isso em meio a figuras fantasmagóricas que mais assustavam que convenciam dos fatos religiosos ali retratados.

painel sobre os desbravadores na estação ferroviária de Goiânia

            Ao final da execução desses afrescos, Confaloni conhece Luis Augusto Curado, amigo de D. Candido Penso, escultor, pintor, gravurista, à época professor de matemática na Escola Técnica, em Goiânia. Curado que, desde a década anterior, participava da Sociedade Pró-Arte de Goiás, vinha batalhando, juntamente com outros membros da instituição, pela implantação de um curso de artes na nova capital, precisando para tanto, da adesão de novos artistas que pudessem contribuir com seus conhecimentos para a formação do corpo docente da nova escola.

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