Portugal à época dos descobrimentos
Ao discorrer sobre os momentos iniciais da história e da consolidação do
Estado Português, o historiador Joaquim Serrão (1980, p. 14) diz que a unidade
do que hoje é conhecido como o território português foi conseguida e
consolidada em função das lutas ocorridas ao longo dos dois séculos e meio
iniciais de sua existência, tendo sua efetivação acontecida a partir de três
momentos fundamentais: o primeiro – a formação do Estado –, acontecido no
decorrer do século XII, com a atuação de D. Afonso Henriques; o segundo – a consolidação
das fronteiras –, implementado no século seguinte, que teria ocorrido como
resultado das ações de D. Dinis em seus 46 anos de reinado; e, finalmente, em
terceiro – o alcance dos foros de Nação –, já em fins do século XIV, no reinado
de D. João I.
Durante todo esse tempo o que se observa em território português, com
relação à arquitetura é a miscigenação de modelos representativos do medieval
árabe com os estilemas próprios do medieval cristão nas edificações de caráter
mais popular e um medieval cristão pobre, se comparado ao produzido no restante
da Europa, nos edifícios oficiais e religiosos.
Estando o surgimento de Portugal vinculado às sucessivas vitórias do
cristianismo sobre os mouros estabelecidos na região desde o século VIII, tanto
os representantes da nobreza quanto os do clero tiveram a preocupação de
eliminar da arquitetura oficial, assim como da religiosa, qualquer elemento que
fizesse referência à cultura islâmica. Com isso, os edifícios que por um motivo
ou outro não foram demolidos, passaram, ao longo do tempo, por um processo de
descaracterização tal, que, até fins do século XV, o que se viu no país, em
relação às edificações públicas e religiosas, foi algo extremamente simples, que
em nada se poderia comparar à arquitetura produzida no restante do continente
europeu. Exemplo desse processo é a igreja Matriz de Mértola, situada na região
sul do país – Algarve – que é o resultado de uma série de intervenções
realizadas na antiga mesquita moura existente no local.
Igreja de Mértola, antiga mesquita moura
De acordo com Pedro Dias (1994, p. 51), em praticamente todas as cidades
portuguesas de origem islâmica conquistadas pelos cristãos, a mesquita
principal era consagrada e transformada em catedral, sendo as demais, menores
em importância, convertidas em paróquias, quando não eram entregues para uso a
alguma ordem religiosa. É assim que,
Até
esse período, final do século XV e início do XVI, a arquitetura portuguesa
mantém-se com um certo conservadorismo, com o Renascimento contribuindo apenas
através da utilização de alguns elementos ou algumas de suas ordens aplicadas a
edifícios oficiais. Praticamente, a arquitetura portuguesa passa diretamente do
medieval ao maneirismo, não apresentando uma produção renascentista de maior
consistência (Coelho, 1991, p. 107).
Isso, de certa maneira, vai se refletir também na forma como as cidades
se estruturam, visto que, em decorrência de não conhecerem as novas propostas
desenvolvidas no restante da Europa, atravessam todo o período de
desenvolvimento do renascimento, reproduzindo os esquemas próprios conhecidos
desde o período de sua organização como estado político independente.
Ainda de acordo com Pedro Dias (1994, p. 51), a estrutura urbana das
cidades portuguesas manteve-se inalterada por praticamente toda a Idade Média,
pois, mesmo quando se melhoravam ou se reconstruíam edificações deterioradas
pelo tempo, eram invariavelmente respeitados os alinhamentos das antigas
fachadas, incluindo-se aí as saliências impostas pelos balcões, estabelecidos
como proteção de passagem por sobre o espaço da rua. Considera-se ainda que,
nesse momento, mesmo o restante da Europa não apresentou avanços de grande monta
no que se refere à organização e melhoramento no traçado das cidades. Sendo
assim, a arquitetura portuguesa manteve, em aspectos gerais, seu caráter
medieval até o início do período maneirista, indo o tratamento das cidades
receber modificações consideradas como relevantes apenas com o Barroco.
Por outro lado, no que corresponde aos edifícios de caráter mais erudito,
o conservadorismo expresso na arquitetura desenvolvida em Portugal – imposto
principalmente pela influência da igreja diante do poder temporal – somente
será tocado por aspectos modernizadores, nos anos finais do século XV, com a
subida de D. Manuel I, o Venturoso, ao trono português no ano de 1495. Por
volta de 1498, após seu casamento com D. Isabel, filha dos reis católicos de
Castela, D. Manuel empreende uma viagem pela Espanha, onde o contato com os
principais monumentos espanhóis, representativos da arquitetura mourisca, vai
reforçar seu entusiasmo por esse modelo arquitetônico de tal forma que uma de
suas primeiras ações à frente do poder em Portugal será a restauração, no Paço
de Sintra, dos elementos muçulmanos eliminados ao longo de sucessivas reformas.
Palácio Nacional em Sintra, reformado por D. Manuel I.
Com uma visão mais aberta e um gosto especial em relação às artes e à
arquitetura, D. Manuel vai não só investir na restauração dos elementos
característicos da arquitetura de origem árabe como também, em um sentido
oposto, contratar arquitetos italianos e franceses para desenvolverem projetos
com um caráter de eruditismo europeu no país. Isso, em certa medida, traz para
Portugal parte da discussão em desenvolvimento no restante da Europa.
Fazem ainda parte do seu projeto de modernização da arquitetura
portuguesa a contratação de mestres e construtores – originários das conquistas
portuguesas no norte da África –, a busca de inspiração na produção mourisca da
Andaluzia e o incentivo à instalação de olarias em todo o território português,
com o objetivo de produzir ali mesmo os azulejos a serem utilizados tanto nas
obras de restauro quanto nas novas construções a serem elaboradas sob sua
orientação. Estes passam a ser largamente utilizados em todos os exemplares da
nova arquitetura portuguesa, deixando, inclusive, de acordo com Kneese de Melo
(s/d, p. 41), de apresentarem os tradicionais motivos estilizados de origem
árabe para desenvolverem motivos mais figurativos, considerados mais próximos
da cultura cristã ocidental.
Painel figurativo elaborado em Azulejo.