Diz Pedro Dias (1994, p. 65) em um de seus estudos sobre a arquitetura de
origem muçulmana em Portugal, que vários podem ter sido os motivos para o
surgimento de um novo interesse português pela arquitetura de origem árabe,
ocorrido no início do século XVI. Um deles teria sido o retorno ao país de um
grupo de nobres que, por motivos políticos havia se exilado por algum tempo em
Sevilha, voltando logo após a posse de D. Manuel I, nos anos finais do século XV.
Desse fato, ficam registrados elementos arquitetônicos e decorativos esparsos,
copiados de originais espanhóis, nas casas senhoriais de alguns desses nobres.
Com características especiais e expressando referências mouras, aparecem
com maior intensidade e com um caráter próprio, os edifícios oficiais
construídos por D. Manuel I em sua volta da viagem empreendida aos domínios do
sogro, no decorrer de 1498. Era já conhecido, de tempos anteriores, o gosto do
monarca português por tudo o que fosse de origem árabe, chegando seu principal
biógrafo a dizer que
com o rei português havia
sempre músicos mouriscos que cantavam e tangiam alaúdes e pandeiros, ao som dos
quais os moços fidalgos dançavam; também para as corridas de touros o próprio
rei mandava distribuir vestidos e jaezes árabes (Dias, 1994, p. 66).
Assim, voltando de sua viagem à Espanha, D. Manuel I empenhou-se na já
referida reforma em seu palácio de Sintra, onde fica claro esse gosto pelo
oriental, além do entusiasmo que teve com a produção da arquitetura árabe
encontrada em seu vizinho ibérico. Portas, janelas, pisos, azulejos sevilhanos,
ambientes e detalhes construtivos de toda ordem aparecem nesse edifício.
A partir daí e até o final do governo de D. Manuel I, grande foi o número
de edifícios construídos com essas características, tanto em sua totalidade como
é o caso da Torre de Belém, do Mosteiro dos Jerônimos, do Mosteiro da Batalha,
do Convento de Cristo, em Tomar ou do Convento de Jesus, em Setúbal, como o uso
de elementos isolados, principalmente em portadas, como acontece na igreja de
S. Pedro, em Torres Vedras; na matriz de Vila do Conde, ou em outros detalhes
como as janelas da Casa dos Coimbras, em Braga – de norte a sul do país.
Torre de Belém
Mosteiro da Batalha
A arquitetura resultante das intervenções de D. Manuel I apresenta
questões de particularidade que merecem algumas observações.
Assumiu D. Manuel I o trono português em um momento particularmente
importante da história: a América acabava de ser descoberta (1492); as rotas
portuguesas para o oriente via sul da África estavam praticamente definidas; o
Tratado de Tordesilhas sendo assinado com a Espanha (1494); a tomada de Granada
(1492) – último reduto muçulmano em Espanha – pelos reis católicos; na Itália,
Leonardo da Vinci concluía a Santa Ceia (1497) e Michelangelo finalizava a
Pietá (1499). Por outro lado, Portugal saia de um período de austeridade
cultural, sob o reinado de D. João II, que fazia com que a arquitetura
portuguesa mantivesse em fins do século XV, muito das características medievais
que marcaram sua história até então.
E foi reunindo todos esses elementos e informações que D. Manuel I
imprimiu um caráter moderno e revolucionário à arquitetura portuguesa de então,
associando elementos das arquiteturas medieval, renascentista e mourisca, aos
ideais da navegação, com a utilização como elementos decorativos: a cordoalha,
o barrete, monstros marinhos, conchas, vegetação, criando com isso essa
arquitetura impar que só recebeu o nome pelo qual é hoje conhecida, no decorrer
do século XIX, em consequência dos estudos do historiador brasileiro Francisco
Adolfo Vernhagen sobre um dos principais monumentos manuelinos: o Mosteiro dos
Jerônimos.
Mosteiro dos Jerônimos
Ocorre, dentro disso tudo, provocado pelas intervenções de D. Manuel, um
movimento que será considerado
único na
arquitetura lusitana, em que todos esses elementos (medievais, renascentistas e
mouriscos) se fundem ao ideal de navegação, produzindo o que seria mais um
elemento decorativo do que um estilo arquitetônico propriamente dito: o
manuelino. O mar e a navegação passam a ser, nesse momento, os grandes
fornecedores das imagens a serem utilizadas como material decorativo e de
composição. Velames, barretes de marinheiro e principalmente cordoalhas serão
largamente empregados, e da maneira mais naturalista possível. São explorados
com requinte ainda não conhecido pela arquitetura portuguesa os elementos
estruturais do gótico e a decoração das janelas e dos arcos, utilizados pelos
muçulmanos em seus edifícios ibéricos (Coelho, 1991, p. 108).
Apesar de ter sido de curta duração – apenas o tempo compreendido pelo
reinado de D. Manuel I, de 1495 a 1521 –, esse foi um momento de grande
importância para o desenvolvimento posterior da arquitetura portuguesa,
levando-a inclusive a um posicionamento mais equilibrado, a partir daí, com os
estilemas desenvolvidos no restante da Europa. De um modo geral, a arquitetura
desenvolvida em Portugal nesse momento manteve, segundo John Bury (1991), a
predominância arquitetônica do gótico tardio nas construções portuguesas do
início do quinhentismo, abandonando-a, posteriormente, em favor de influências
mais ligadas aos modelos de determinações renascentistas, sobretudo o
Maneirismo, de grande aceitação não só estética como também política,
principalmente por ter, como maiores incentivadores, os padres da Companhia de
Jesus, líderes da Contra-Reforma portuguesa.
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