quinta-feira, 28 de novembro de 2013

arquivos de projetos I

Projeto de residência em arquivo particular na cidade de Anápolis

Com uma boa dose de atraso, o desenvolvimento da arquitetura em Goiás tem acontecido um pouco a reboque do processo acontecido em outras regiões do país. Por cerca de dois séculos o que se produziu no estado foi uma arquitetura de caráter popular e tradicional com o emprego das mesmas técnicas e materiais construtivos, sem qualquer alteração que merecesse destaque.
Nas décadas iniciais do século XX dois fatos vão se apresentar como decisivos para uma alteração radical na maneira de construir do goiano: a chegada da ferrovia à região sudeste do estado e, na capital, a saída de jovens filhos da elite vilaboense com o objetivo de estudar engenharia no Rio de Janeiro. O resultado foi a implantação de uma arquitetura, nova para Goiás, mas que já era conhecida no resto do país desde meados do século anterior.
Arquitetura que nas regiões litorâneas representava o governo da primeira república, o ecletismo, com todas as suas variantes veio trazer um aspecto moderno para as cidades goianas acostumadas com o adobe, o pau-a-pique, a telha capa-e-bica e a pintura a cal. Fotos antigas de cidades como Ipameri mostram como já, na década de 1920, os antigos casarões representantes da arquitetura tradicional estavam sendo substituídos por construções de uma aparente modernidade, onde os elementos decorativos ecléticos, até então desconhecidos em Goiás, aparecem com acabamento elaborado por uma mão-de-obra especializada composta por migrantes estrangeiros que acompanham o avanço dos trilhos ferroviários pelo interior do estado. Frisos e cimalhas em relevo, platibandas recortadas, portas metálicas de correr, além do ponto mais alto do telhado como resultado do uso da telha francesa, dão um caráter de movimento e modernidade aos novos edifícios e, consequentemente ao aspecto geral da cidade.
  uma rua de Ipameri na década de 1920

Sendo a transformação das cidades do sudeste goiano resultado de modificações mais amplas ocorridas com a chegada da ferrovia, a modernização ocorreu de maneira mais intensa e com caráter mais efetivo do que o que foi visto na capital. O grande número de migrantes estrangeiros que chegou acompanhando os trilhos, incentivava e reforçava essas mudanças, com mão-de-obra especializada e conhecimento técnico, fazendo definitivas as mudanças, ou seja, enquanto na capital as antigas edificações eram reformadas para assumirem características modernizantes, na região sudeste, os antigos casarões de arquitetura tradicional eram demolidos para darem lugar a novas construções, modernas nas feições, nos materiais e principalmente no que se relaciona ao acabamento construtivo.
No caso da capital, apenas o conhecimento intelectual de quem tinha acesso às informações contidas em jornais e revistas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo incentivou as mudanças e tentativas de modernização, já que não existia ali a mão-de-obra adequada ao trabalho com os novos materiais e as novas técnicas construtivas necessários.
O objetivo deste trabalho é mostrar a forma como essa modernização dos edifícios tanto residenciais quanto de uso público aconteceu em território goiano, apresentando informações, documentos e projetos produzidos e arquivados em cidades como Vila Boa e Ipameri – construídos ou não – produzidos com o objetivo principal de dar uma nova feição a essas cidades, modificando a característica original de sua arquitetura e tentando introduzir uma modernidade que, embora um tanto tardia e já em evidência em outras regiões, ainda era desconhecida da maioria dos habitantes do estado de Goiás.
Grande parte dessa documentação, pertencente originalmente, no caso da antiga capital, ao arquivo da Prefeitura Municipal, encontra-se hoje sob a guarda do Arquivo Frei Simão Dorvi, que vem se constituindo em um dos principais centros documentais da cidade. Outros, produzidos no mesmo período que esses, podem ser encontrados em arquivos de fora do estado, como o arquivo do exército no Rio de Janeiro, o arquivo do convento dos padres Dominicanos em Belo Horizonte, entre outros. Em Ipameri, a documentação, também originalmente pertencente à administração municipal, encontra-se atualmente sob a guarda do Instituto Romão Edreira.
Desenho encontrado no arquivo do Instituto Romão Edreira, em Ipameri.

Com seu crescimento paralisado desde o fim da produção aurífera, nas décadas finais do século XVIII, a cidade de Goiás permaneceu praticamente a mesma, com os mesmos edifícios, a mesma conformação e organização urbana até princípios do século XX, quando, provavelmente induzida pelas mudanças ocorridas em outros municípios do estado, iniciou um processo de modernização com características próprias, em que somente as fachadas dos edifícios sofriam alterações, ficando a parte interna organizada como sempre esteve, desde as décadas iniciais do setecentos.
Tentativa de modificação já havia acontecido anteriormente, quando, na segunda metade do século XIX os edifícios de caráter oficial passaram por uma série de reformas para que fossem aí aplicados os elementos próprios do neoclássico, estilo que naquele momento representava o poder político do Império. Utilizando o mesmo processo, em que somente a fachada sofria as modificações necessárias à pretendida modernização, o início do século XX viu ser implantada na antiga Vila Boa, uma arquitetura que, no mais das vezes se encontrava em declínio em outros estados da federação, mas que, dada a situação de isolamento e pobreza da capital goiana, se apresentava com um caráter de modernidade nunca visto.
 Assim, esse processo de modificação implantando a modernidade favorecida pela arquitetura eclética, na cidade de Goiás e, com diversidade maior, na cidade de Ipameri, será aqui apresentado com base em uma série de projetos elaborados nessas cidades no decorrer das décadas de 1920 e de 1930, no caso da antiga capital, exatamente no momento em que a cidade deixava de ser o centro político do estado, e, de 1920 a 1960, no caso de Ipameri, com o crescimento econômico provocado pela chegada da ferrovia a essa região. Com um certo atraso em relação ao restante do país, a cidade de Goiás, nesse momento, começava a elaborar projetos de caráter eclético na tentativa de modernizar seus edifícios tanto públicos quanto residenciais, utilizando um modelo arquitetônico já ultrapassado nos grandes centros ou mesmo já com duas décadas de emprego na região sudeste do estado, região de influência da rede ferroviária.
No que se relaciona ao espaço urbano, é possível observar através de uma série de mapas existentes, que a paralisação se estendeu por tempo maior do que aquele acontecido com a arquitetura. Arquivos e publicações nos mostram os mapas resultantes dos vários levantamentos feitos sobre a cidade ao longo do século, apresentando o lento crescimento urbano por que passou a antiga capital.


Projeto encontrado no Arquivo frei Simão Dorvi, na cidade de Goiás.


 No caso de Ipameri, as coisas acontecem de forma diferenciada. O grande movimento econômico por que passou a cidade, a quantidade de migrantes oriundos de vários países e continentes e a facilidade de acesso a informações facilitou o processo de transformação tanto urbano quanto arquitetônico, gerando um número considerável de projetos, quase todos executados, mudando de forma radical a paisagem do núcleo e, se em um primeiro momento implantava uma arquitetura já em desuso em outras regiões, em curto espaço de tempo colocou a cidade no mesmo pé de igualdade com o resto do país, chegando a promover um concurso de projetos para a construção de uma nova sede para o poder público municipal, com todos os concorrentes utilizando o art déco como característica para suas propostas. 

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