segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Roos e a arte da gravura

o flautista - gravura em metal

Com sua produção artística voltada basicamente para a pintura em acrílica sobre tela, Roos Oliveira foi um dos artistas que, entre o final da década de 1970 e início da de 1980, buscou na gravura uma forma de extravasar sua criatividade, quando, então, desenvolveu várias experiências com a xilogravura, litografia e gravura em metal – tendo produzido nesse período dois álbuns de gravuras intitulados IGREJAS e CLÃ – além é claro, de inúmeros outros trabalhos com temas diversificados, o uso de técnica mista e o acabamento próprio que caracteriza seu trabalho artístico.
Muito por insistência de D. J. Oliveira, que via em sua forma peculiar de desenho, uma grande possibilidade de desenvolvimento de trabalhos com gravura, Roos partiu para a nova experiência, aprendendo os processo de preparo e gravação de chapas, prensagem e tiragem de exemplares, trabalhando sempre no ateliê do mestre.
Uma de suas primeiras experiências com a gravura fora do ateliê de D. J. Oliveira aconteceu em São Paulo com a produção de alguns trabalhos em litogravura, infelizmente de tiragem muito pequena, com pouca ou quase nenhuma divulgação. Desse período, o trabalho que mais se destaca é a gravura “meia e chapéu” com tiragem de 50 exemplares, onde toda a trama impressa gira em torno e em função de valorizar a grande mancha branca central, representado pelo corpo de uma mulher. Interessante é observar nessa gravura a forma como estão dispostas as manchas, o movimento das cores, o jogo de claro e escuro, além dos cortes, bem característicos do trabalho de Roos.


meia e chapéu - litogravura

No que se relaciona às gravuras em metal, observa-se também que um dos personagens que sempre frequentou sua produção em tela, a figura de São Francisco foi uma que também visitou com regularidade as chapas de gravura – principalmente nos trabalhos desenvolvidos na década de 1970 – tanto em impressões em preto e branco, quanto em algumas gravuras onde o artista se permitiu o uso da cor. Característica comum a praticamente todas as gravuras em que Roos utiliza a figura de São Francisco é a proximidade da expressão do personagem com a de pessoas comuns que, supomos, podem ser vistas a qualquer momento nas ruas de nossas cidades: esqueléticos, sofridos, meio santos e meio loucos, além da dramatização explorada pelo artista na forma de preparar as chapas para impressão.

São Francisco - gravura em metal


Da mesma forma que São Francisco, o palhaço, outra figura emblemática na obra do artista, comparece em sua produção de gravuras, protegido ou mesmo escondidos sob grossas máscaras, que conferem ao personagem um ar de zombeteira provocação. Em uma série de gravuras intitulada MÁSCARA, as figuras utilizadas – palhaços ou não – demonstram bem o lado questionador e provocativo do artista, onde, na maioria das vezes o expectador é que se sente observado, provocado no sentido de dar respostas. No entanto, nesta série são mesmo os palhaços aqueles que mais se destacam como característicos da expressividade crítica do artista, onde seu traço rápido e preciso demonstra o ambiente vivido à época, assim como a variedade de representações do personagem demonstram também o nível por que passava o processo criativo de Roos.
É interessante observar também que, no caso de algumas gravuras, a preservação da sequência de provas de tiragens conseguiu registrar o processo de produção, onde os exemplares conservados mostram as etapas de entintamento da chapa, da primeira à última impressão, funcionando esse conjunto como uma aula dessa técnica artística. a primeira das gravuras mostra o palhaço ainda em preto e branco, em um nível básico de impressão. Na segunda imagem, as cores já começam a aparecer, para se apresentarem fortes e definitivas na última das três gravuras.
O mesmo pode ser visto com a sequencia de duas representações da mesma gravura dedicada à igreja de N. S. do Rosário de Luziânia – pertencente ao álbum IGREJAS –, em que não só o entintamento, mas também o processo de preparo da matriz ficou registrado, com toda a dramaticidade expressa na gravação definitiva, que se apresenta bem diferente do que foi registrado na impressão de prova.
  

máscara - gravura em metal

 Desse período (anos 1970 e 1980) são também os FAUNOS, que aparecem em gravuras e desenho a nanquim, excluídos, porém, das obras em tela do artista, provavelmente pelo fato de essa técnica não comportar determinados aspectos de expressividade dos personagens que melhor se viabilizam através do traço simples e direto próprio do desenho ou ainda dos riscos específicos da gravura.
Extremamente divertidos, cínicos e amorais, esses personagens representam uma época de grande descontração no desenvolvimento das artes em Goiás. Seriam, talvez, o símbolo dessa descontração, representada pelo trabalho de um de seus artistas mais expressivos.

fauno e pássaro - gravura em metal

 Com as mesmas características críticas desses personagens, aparecem também as gravuras do “bêbado”, “cabeças e arlequins” e “marionetes”, onde o tratamento da matriz e o uso de claro e escuro contribuem para destacar o caráter físico e caricatural dos personagens. É também clara nessas últimas gravuras, a influência de outros processos de trabalho do artista, como as manchas, próprias de sua pintura em tela que, no caso das gravuras se expressam como variações em tons de cinza.
O auge do trabalho de Roos, no que se relaciona às gravuras, foi a produção dos álbuns IGREJAS DE GOIÁS (1978) e CLÃ (1979). No que se relaciona às IGREJAS, é visível a influência de D. J. Oliveira, no traço, na expressão do desenho, no sombreamento e mesmo na escolha dos ângulos de representação, influência, aliás, reconhecida e assumida pelo próprio artista. Quanto ao CLÃ, a independência de Roos em relação ao mestre já bem definida. A escolha dos temas e a precisão no traço já são plenamente reconhecíveis como pertencentes à mão de Roos. Nas gravuras incluídas nesse último álbum, houve a pretensão, segundo o próprio artista, de representar suas vivências naquele período, associando a isso a tentativa de criar uma metáfora própria, independente do grupo de artistas com quem convivia à época. Além disso, os personagens utilizados foram quase todos criados em função daquele projeto.
Os personagens que compõem o álbum CLÃ trazem ainda um certo grau de inovação no que se refere ao processo de representação encontrado normalmente no trabalho de Roos. O “murro” e o “beijo” representam bem essa forma inovadora com que o artista trata o processo de impressão. Cobreada a primeira e em tons de azul a segunda fica bem clara a preocupação com a pesquisa e a experimentação que norteou o desenvolvimento desse álbum. Chamam a atenção nessas duas gravuras, as manchas de luz que, com maior ou menor intensidade produzem um efeito marcante nas figuras.
 Da mesma época é a gravura do “flautista” que, ao contrário das demais, chega a ser ingênua, em sua simplicidade e na forma absorta com que se apresenta o personagem.

o beijo - gravura em metal

 Do álbum IGREJAS destacam-se, juntamente com a já citada N. S. do Rosário de Luziânia, as gravuras representativas das igrejas de S. Francisco e Boa Morte da cidade de Goiás, além daquelas de Pilar e Jaraguá.

igreja da Boa Morte - gravura em metal

 Da série “máscaras”, destacam-se mais três gravuras além das já citadas, sendo uma delas pelo preciosismo dos detalhes e outras duas pela irreverência das figuras utilizadas. A primeira apresenta uma textura que é quase a representação de uma renda, não encontrada no trabalho de nenhum outro artista em Goiás. Houve, na execução dessa gravura, a preocupação de associar detalhamento e acabamento de uma qualidade ímpar, com o caricaturato da figura principal. As demais, na mesma linha dos faunos, apresentam figuras em que o corpo humano aparece associado à cabeça de uma coruja, ou ainda apresentando o irracional e o crítico em uma figura que esconde deliberadamente os olhos na tentativa de enganar o observador.

dois palhaços - gravura em metal


Ao observarmos a produção em gravura de Roos, é possível perceber a quantidade de peças elaboradas em curto espaço de tempo, já que seu trabalho utilizando esse processo não excedeu a cinco anos. A variedade de temas, de personagens – entre os novos e os que já faziam parte de sua produção em tela – e de situações, mostram não só a qualidade do que foi feito, mas a criatividade com que foram planejadas e executadas, inovando em vários aspectos tanto no que se fazia quanto no que ainda foi realizado posteriormente por todos aqueles que se envolveram com o processo da gravura em Goiás.

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