segunda-feira, 9 de novembro de 2015

grande enchente do rio vermelho de 1839

em 1957 o jornal Gazeta de Goiás publicou um extenso artigo sobre a enchente ocorrida em fevereiro de 1839 que, entre outros prejuízos, destruiu a igreja de N. S. da Lapa. Esse artigo, distribuído em vários números do jornal é aqui transcrito, utilizando vocabulário e pontuação originais:

A GRANDE ENCHENTE DE 1839
Gazeta de Goiás – 11/08/1957


Quantos de nós, entristecidos ouvem a narração da enchente que causou sérios prejuízos a grande parte da população desta cidade e levou a Igreja das Lapa com seus sinos badalando como se pedissem socorro.
Segundo cremos, há acréscimo nas notícias daquele fato, como a afirmação de que um dos sinos esteja enterrado no lugar (chamado) Pinguelona, no Rio Vermelho.
Conforme as crônicas da época, a grande enchente de 19 de fevereiro de 1839, também alcunhada Enchente de São José, teve por causa não só a chuva que caia a cântaros desde o dia 14 como também uma colossal tromba que se desfez no lugar denominado Calção de Couro a meia légua desta cidade na direção de nordeste acrescendo que os reservatórios naturais das águas das montanhas daquém e além do Rio Vermelho rebentaram em quatro lugares diversos precipitando as águas em carreira vertiginosa pelas encostas até se confundirem com as do rio que assim acrescido invadiu parte desta cidade indo lavar a porta do sobrado da família Vieira, na rua Direita (hoje Moretti Foggia), o Largo do Mercado, rua 13 de Maio, na Paróquia de Sant’Ana.
Na Freguesia do Carmo, o nível ia próximo do Largo do Rosário, pela qual derivavam as águas que entravam pela rua da Cambaúba.


Gazeta de Goiás – 18/08/1957

            Trasladamos dois ofícios que em 3 de março e 3 de maio de 1839 dirigiu ao Ministro Bernardo Pereira de Vasconcellos o ver. Padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury então presidente da província.
            “Ilmo e Exmo Sr. – Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. que pelas participações recebidas das Comarcas da Província posso assegurar a V. Exa. que nada tem havido que possa ameaçar a ordem e tranquilidade pública.
            Esta cidade porém acaba de sofrer uma catástrofe terrível causada pela extraordinária inundação do Rio Vermelho acontecimento este que teve lugar entre 6 e 9 horas da manhã do dia 19 de fevereiro – o Rio Vermelho corta a cidade de nascente a poente quase em partes iguais: três pontes ofereciam a comunicação para os habitantes; e um córrego chamado Manoel Gomes que corre para o norte e conflui no Rio Vermelho pouco acima da ponte do meio (Lapa) aproxima-se aos portões das casas que fazem frente para a Rua Direita tendo chovido copiosamente desde quinta feira, 14 de Fevereiro e por isso achando-se já o Rio Vermelho bastantemente cheio, as 11 horas da noite de segunda feira 8 de Fevereiro começou uma chuva grossa sem cessar atéas 9 horas do dia 19.




Gazeta de Goiás – 25/08/1957

            Continuamos hoje, a publicação dos ofícios enviados pelo ver. padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury ao Ministro Bernardo Pereira de Vasconcellos relatando a ocorrência:
            As 6 horas da manhã começou o Rio Vermelho e o Manoel gomes a transbordar e então todos os moradores vizinhos reconheceram o perigo e começaram a pedir socorro não só salvarem como também salvar seus bens;
De repente desapareceram as pontes, interrompeu-se a comunicação entre os habitantes d’aquém e d’além do rio, o Manoel Gomes represado pelo Rio Vermelho começou a inundar os quintais das casas da rua Direita, d’aquém e bem depressa lançava suas águas pelas portas e janelas e entrando pelo beco chamado da Lapa (junto a casa do finado coronel Confúcio) formou-se um grande rio, ficando circuncidadas d’água as casas dos negociantes Joaquim Xavier dos Guimarães Francês, (avo paterno do dr. Guimarães Natal, e Manoel Joaquim da Silva Paulista (avô paterno de Monsenhor Ignacio Xavier) a do 1° em poucos minutos desapareceu com uma boa loja de fazendas, secos e ferragens, a do 2° logo depois restando apenas muito arruinado um pequeno sobrado com frente para o beco da Lapa no qual pôde salvar ele parte de suas fazendas salvando-se ele mesmo e sua família por uma escada, que do telhado d’uma casa térrea se lançou a janela do sobradinho caindo essa parte e a casa térrea apenas tinha esta família sido salva; um cabo porém de 1ª linha que se aventurou a atravessar o beco das casas do Paulista para as do negociante Joaquim José d’Azeredo foi arrebatado pela correnteza e afogou imediatamente; este cabo se chamava José Pereira da Silva e por sua morte deixou inconsolável sua mãe viúva pobre e uma irmã órfã.
Logo que observei crescer extraordinariamente a inundação, mandei tocar chamada geral e apesar da copiosa chuva concorreram toda tropa de 1ª linha, muitos guardas Nacionais e oficiais, todos se expuseram ao perigo para salvar os que estavam sofrendo a inundação porém, só o cabo já referido pereceu. A chamada serviu para despertar os habitantes d’ambos os lados da cidade, mas já sem comunicação por terem caído as pontes; houve porém em toda parte a mesma energia, a mesma boa vontade e todos se empregavam em livrar e auxiliar os desgraçados. A capela de N. Sra. da Lapa solidamente edificada defronte da casa do finado coronel Confúcio (hoje Hotel Municipal) sendo sua torre e paredes de pedra e cal, não pôde conservar-se e aluídos seus alicerces por estar junto ao caes do rio caiu toda, cavando o rio o próprio terreno em que ela tinha existido.

Gazeta de Goiás – 01/09/1957

O Hospital de Caridade de S. Pedro de Alcântara, foi todo inundado, caíram seus muros e algumas paredes ficaram todas arruinadas e perderam-se drogas medicinais da botica da casa, alguma roupa destinada para os enfermos, mas salvaram-se todos os doentes que foram acolhidos em as casas do Boticário do Hospital Vicente Moretti Fóggia.
A fábrica de Fiação e Tecelagem ficou cercada e o mestre da fábrica com sua família esteve em perigo iminente dentro do forro de uma sala, subindo a água até as arcadas das janelas e por isso quase tocando no forro; as suas paredes eram de pau-a-pique se arruinaram, caíram todos os muros e perderam-se muitos utensílios da fábrica. – A casa do Açougue público perdeu todas as suas paredes de tipa socada.

Gazeta de Goiás – 08/09/1957

Aluiu-se e arruinou-se todo o cais do rio Vermelho estendendo-se esta ruina a todas as casas que frenteava com o dito, caindo todas sem mesmo exeptuar-se as do coronel Felipe Antonio Cardoso (hoje residência da família André Mundim) e a do capitão José Joaquim Pulquério dos Santos (residência da família Zacheu Alves de Castro) que pareciam menos expostas a perigos tais.
            A Carioca que é uma fonte pública da melhor água, ficou debaixo da terra do desmoronamento do morro que lhe está contíguo. O rio Vermelho depois de inundar e destruir a chácara chamada Moinho entrou pela rua da Cambaúva e deitou por terra 9 casas arrastando-as e seus quintais, entrando por todos os quintais da mesma rua até os das casas do largo do Rosário e os da rua Direita d’além do rio lançou por terra todos os quintais.


Gazeta de Goiás – 15/09/1957

Chegando mesmo a destruir as cozinhas e varandas de algumas, derrubando pela metade as de José Joaquim d’Almeida e de Antônio Ferreira Lima na dita rua Direita sofrendo mesmas ruínas as do coronel Couto e mais quatro casas em seguimento da rua. Todas as casas do beco da Lapa foram por terra sem exeptuar as do negociante Azeredo, as do alferes Joaquim Marcellino de Camargo e todas as mais até as do negociante João José de Souza e Azevedo serviram de canais para as águas do córrego Manuel Gomes e soffreram grandes deterioramentos ficando arruinadas e algumas caídas sendo destruídos todos os quintais das casas deste lado da rua Direita até o beco chamado Dr. Ignácio que sai no largo do Palácio.
Todas as casas da rua de Joaquim Rodrigues (13 de Maio) que deitam os fundos para o rio desde o largo da Lapa caíram totalmente e deste largo bem como no princípio da rua de Joaquim Rodrigues não se passava senão a nado. Uma vala que recebendo as águas da rua Nova vai lança-las ao rio Vermelho descendo por um beco entre os fundos das casas das ruas do Carmo e Direita foi inundada e transbordando deitou por terra todos esses quintais chegando a arruinar e fazer cair algumas casas inferiores da rua do Carmo. Pela descrição de tantas ruínas que tiveram lugar das 6 horas da manhã pode V. Exa. qual seria o perigo, prejuízo geral e clamor em vista de tanta calamidade.




Gazeta de Goiás – 22/09/1957

Pela folha do Correio Oficial n° 162 ficará V. Exa. ao fato das providências que se deram a respeito: cumprindo-me declarar a V. Exa. que mandei proceder a um exame e avaliação dos prejuízos tanto dos edifícios públicos como nos particulares para levar tudo a respeitável presença de V. Exa. esperando os habitantes desta cidade que o governo de Sua Magestade o Imperador comovido pela desgraça de tantas famílias que se acham hoje reduzidas quase a indigências estenderá suas vistas Paternaes e Caridosas sobre esta porção de súbditos que se prezam de ter sido sempre amigos da ordem, e fieis observadores da ordem. Deus guarde a V. Exa.
Palácio do Governo da Província de Goiás. 3 de março de 1839. Ilm. e Exm. Sr. Bernardo Pereira de Vasconcellos Luiz Gonzaga de Camargo Fleury.
Ilmo. e Exmo. Sr. Tendo se concluído o orçamento da despeza necessária para serem redificadas as obras públicas arruinadas pela extraordinária enchente do Rio Vermelho, bem como avaliação dos prejuízos que em seus prédios sofreram os habitantes desta cidade junto ao rio assim como o orçamento das despesas para ser redificada a capela de Nossa Senhora da Lapa como tudo consta dos documentos juntos o conhece que as obras públicas é necessário quantia de 32:170$000; a igreja da Lapa 7:000$000 e que os prejuízos dos particulares em seus prédios é orçado em 21:971$640 rs acrescendo que informando-me com a mais aproximada exatidão dos prejuízos que os particulares sofreram em fazendas molhadas, trastes, dinheiro, orço em 24:000$000 rs vindo por esta conta a sofrer o público e o particular pela inundação do rio Vermelho o prejuízo de 84:000$000 rs mais ou menos: sendo esta capela habitada em sua maioria por homens de pouca fortuna e sendo muito diminutas as rendas provinciais de tal maneira que o cofre provincial é suprido pelo geral, e não há esperanças de que pelas rendas públicas se possam fazer os concertos necessários nas obras públicas e nem os particulares pela maior parte sem meios de redificar seus prédios arruinados, existindo ainda hoje casas caídas cujos donos nem possibilidades tem para acautelar alguns materiaes que ainda poderiam servir.

Gazeta de Goiás – 29/09/1957

Em tão triste e lamentáveis circunstancias todos tem depositado suas esperanças no Paternal Governo de Sua Magestade o Imperador e na Liberalidade da Assembleia Geral; e conhecendo eu o misérrimo estado a que ficaram reduzidos muitos e que a Assembleia Provincial só há de reunir em Outubro próximo futuro e que por isso suas rogativas já não poderiam chegar a tempo do serem atendidas na presente seção ordinária da Assembleia Geral tomei a resolução de enviar eu mesmo os inclusos documentos e o presente ofício rogando um socorro secundário, tanto para as obras públicas como para os particulares prejudicados. Digne-se pois V. Exa. o bem desta porção de brasileiros que sempre presou-se de ser fiel e aderente ao systhema do governo que felismente nos rege fazer presente tudo isso ao regente cooperando V. Exa. com sua régia Benigna intervenção para o feliz êxito desta súplica. Deus guarde V. Exa. Palácio do Governo da Província de Goyaz 3 de Maio de 1839. Ilmo e Ex. Sr. Bernardo Pereira de Vasconcellos Luiz Gonzaga de Camargo Fleury.

FIM


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

hotel municipal de vila boa: um projeto

Uma discussão que já se desenvolvia na cidade de Goiás, mesmo antes da mudança da capital para Goiânia, era a necessidade de se construir um hotel moderno e confortável para receber o grande número de turistas previsto para tempos futuros de médio prazo. Em outubro de 1930, a administração municipal entrou em contato com Monsenhor Joaquim Confúcio de Amorim, proprietário de uma residência às margens do rio Vermelho e em frente ao monumento da Cruz do Anhanguera, propondo adquirir o imóvel para, em seu lugar edificar o hotel e um teatro novo para a cidade. O documento datado de 3 de outubro de 1930, que encontra-se disponível para consulta no Arquivo Frei Simão, da cidade de Goiás, solicitava do religioso, certa urgência na resposta, se concordava ou não com a venda do imóvel
A residência pertencente ao Mons. Confúcio, em frente à Cruz do Anhanguera, à esquerda na imagem. Por falta de maiores informações documentais, não se tem notícia sobre qual foi a resposta do Monsenhor Confúcio – como era conhecido – mas, o que se sabe é que em 1949, portanto dezenove anos depois, o prefeito municipal solicita da Câmara a autorização necessária para desapropriar o imóvel pertencente aos herdeiros de Monsenhor Confúcio e poder, no local, construir um hotel “capaz de estar à altura dos nossos foros de cidade civilizada e centro de atração turística”. A 20 de outubro do mesmo ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara apresenta parecer (n° 104) concedendo a autorização solicitada, sugerindo para tanto a busca de um acordo amigável que caso não aconteça, sejam utilizadas as “vias judiciárias”, já que tal empreendimento, a seu ver, só trará benefícios para a cidade. Em seguida, a 8 de novembro, a Câmara aprova o projeto de lei n° 60, considerando de utilidade pública o referido terreno, autorizando o Executivo Municipal desapropriar o imóvel “mediante indenização, devendo o preço ser ajustado amigavelmente com os proprietários ou judicialmente” conforme a legislação vigente. Convém observar que, desde julho já havia a Câmara autorizado um crédito de trezentos mil cruzeiros para as despesas iniciais com a construção do hotel. Ao mesmo tempo em que corriam as discussões públicas e judiciais sobre a aquisição do terreno, a população opinava através dos jornais sobre a construção do hotel, pertinência do local escolhido e, principalmente sugerindo local mais apropriado para o empreendimento. O jornal Cidade de Goiás de 23 de janeiro de 1949 reclamava urgência na construção do hotel em decorrência da necessidade da antiga capital em ter hospedagem moderna e confortável não só para turistas em visita à cidade, mas também para vilaboenses residentes fora e viajantes de passagem para o Araguaia. Nessa data ainda não se fala sobre localização. A 21 de agosto do mesmo ano, o mesmo jornal já questionava em artigo intitulado “onde será construído o hotel municipal?”. Informa que “esse hotel terá também em anexo um grande cinema com aparelhagem moderníssima” e que, para tanto falta somente a escolha do local para sua instalação, coisa que o prefeito anunciava para dentro de poucos dias. Com o mesmo título, o Cidade de Goiás publicou em 4 de setembro, artigo assinado por Augusto Fleury Curado. Procurando levar o tema ao extremo da definição, tenta analisar todas as possibilidades de locais disponíveis para instalação do hotel, considerando entre outras coisas, o acesso, visibilidade, paisagem oferecida e baixo custo para o poder público. Assim, vai eliminando cada um dos largos, uns por exiguidade de espaço, outros por muito amplos, o que exigiria do poder público grandes investimentos de urbanização e ajardinamentos, concluindo por sugerir a “pequena elevação atraz do antigo prédio da Prefeitura”. Justificando sua escolha, diz Curado que É certo que a construção ficará um pouco mais cara, mas as compensações são grandes: Goiás é cidade de clima quente. Para um prédio de habitação coletiva seria necessário que fosse escolhido local mais fresco, isolado, elevado, etc, e além disso o hotel no citado lugar dará ao viajante conforto por ser um prédio que poderá ter avarandados ao redor, vista admirável descortinando o rio, a cidade e aos fundos a Serra Dourada, é central, isolado, perto de igrejas, comércio, repartições, Fórum, enfim, satisfaz a necessidade de quem vier a Goiás, a passeio ou a serviço. A 11 de setembro anunciava-se o adiamento nos trabalhos relativos à construção do hotel, tendo em vista a aquisição por parte da Prefeitura de uma máquina “auto patrol”, necessária à manutenção das estradas municipais, naquele momento, serviço de maior relevância. Em 7 de outubro de 1951 anunciava o jornal Cidade de Goiás que “Vai ser iniciada a construção do hotel municipal”. Informa como local escolhido o já sabido: o terreno antes pertencente ao Mons. Confúcio, para o que já iniciariam as demolições necessárias. Segundo esse jornal, Já esteve nessa cidade o projetista que, dentro de poucos dias terminará o projeto e demais estudos para o início da construção. Salvo modificações posteriores, o hotel deverá ter 50 quartos e 10 apartamentos, construídos com todos os requisitos de conforto e higiene. No mesmo prédio funcionará um vasto restaurante, cujo salão poderá ser adaptado para banquetes, solenidades, bailes, etc. Apesar das informações de início imediato dos trabalhos, podemos ver novo artigo de Fleury Curado, datado de 29 de junho de 1952, em que faz novas análises e nova proposta de local, considerando a área escolhida imprópria para a implantação de equipamento urbano de tal porte. Utiliza como argumentos o custo do terreno e das obras de demolição que onerariam o projeto além de implicar em demora nos resultados; a exiguidade do terreno e de seu entorno, impedindo a implantação de área para estacionamento; a poluição do rio Vermelho e, em certas épocas do ano o excesso de pernilongos próximo às margens do rio. Finalmente, após reforçar a sugestão anterior como a que maior visibilidade daria ao governo municipal, apresenta uma outra: o terreno onde existiu o Cinema Goiano, na Praça Mons. Confúcio, que a seu ver, além de estar situado em espaço amplo, apresenta a possibilidade de duas fachadas, sendo uma para a Praça e outra para a rua das Flores. Com relação à inclusão de um cinema (substituindo a ideia inicial de um teatro) ao programa do hotel, o prefeito Divino de Oliveira concedeu uma entrevista ao jornal O Popular, de Goiânia, no dia 16 de março de 1944, em que fala sobre a construção do hotel, a inclusão do cinema e assume a paternidade da ideia de localização dos mesmos. Aliás, foi a divulgação sobre a escolha do local que motivou a entrevista realizada pelo jornal da nova capital. Ao ser questionado sobre o hotel, o prefeito explica que Será de dois pavimentos: um térreo e um superior. No primeiro haverá uma barbearia, um bar, galeria de entrada, refeitório, copa, quartos para o gerente e família, cozinha, dispensa, adega, etc. No superior haverá de 30 a 38 quartos assoalhados a taco, estucados, com água corrente e todo o conforto moderno, salas de estar, um terraço para frente e dois apartamentos de luxo. Levantou a questão de que o empreendimento não seria de exclusividade da Prefeitura, mas de toda a população interessada em sua execução, criando uma sociedade anônima por cotas da qual participariam todos aqueles que se sentissem motivados para tal. A questão polêmica da entrevista foi exatamente o item localização. De acordo com o prefeito, a área escolhida, considerada por ela a melhor, eram as ruínas da antiga catedral da cidade, localizada na praça principal da cidade, ao lado do antigo Palácio Conde dos Arcos, para o que espera a compreensão e colaboração do Arcebispo D. Emanoel Gomes de Oliveira. Quanto à construção de um cinema, afirma que “não pleitearia a construção de um cinema sobre os sagrados alicerces de um templo: isso seria um sacrilégio”, Também não seria interessante fazer-se um hotel sobre um prédio alto de cinema quando dispomos de força elétrica para manter em funcionamento um elevador e ninguém gostaria de hospedar-se num hotel para estar subindo e descendo escadas o dia inteiro. A não ser pelo lado cômico da situação, é de se acreditar que ninguém tenha levado tal proposta a sério, sendo de estranhar, no entanto, a posição do Procurador Geral do Estado, Colemar Natal que, no mês de dezembro anterior, ao elogiar em artigo de jornal a administração desenvolvida por aquele prefeito, diz que entre os itens que compõem seu “magnífico programa de governo, avulta por certo a da transformação das ruínas da antiga Catedral num hotel moderno, necessidade imperiosa para Goiáz”.
Ruínas sobre as quais queria o prefeito Divino de Oliveira construir o novo hotel Em julho de 1952 a Prefeitura publicou edital de concorrência pública para a construção do hotel e, no mês seguinte abriu um crédito de dois milhões e quinhentos mil cruzeiros para, além de iniciar as obras do hotel, abrir uma avenida ao longo do rio Vermelho, ligando a rua Moretti Foggia à Couto Magalhães, com as devidas desapropriações relativas aos fundos de quintais das casas da rua 13 de Maio. Elaborado pelo escritório G. Fonseca e Cia, foi apresentado então o projeto para construção do Hotel Municipal da cidade de Goiás, em um único pavimento e com características neocoloniais, estilo já fora de uso à época e que, a não ser pelo modelo escolhido, nada apresenta que o identifique com o que se encontra hoje construído .

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Dineia Dutra: a arte da gravura

Apesar da morte prematura, ocorrida em 1988, aos 34 anos, Dinéia Dutra foi uma das artistas mais produtivas e que maior acervo deixou para a história das artes plásticas em Goiás, no segmento da gravura em metal. Iniciou seus estudos no Instituto de Artes da Universidade Federal de Goiás em 1975, graduando-se no ano de 1978 em Artes Visuais com especialização em gravura. No Instituto, foi aluna de Cleber Gouvêa e fez parte do grupo de artista que sempre frequentou o atelier de D. J. Oliveira, tendo a oportunidade, com esse convívio, de aprimorar sua técnica de gravura em metal, tendo em vista a importância desse artista como professor dessa técnica e mesmo da qualidade do acervo produzido por ele mesmo como gravurista.

O Matemático: gravura em metal de 1982

De 1975 a 1987 Dinéia participou de 24 exposições, sendo a maioria delas em galerias de Goiânia, além de expor também em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Produziu quatro álbuns e recebeu cinco prêmios em Mostras e Salões tendo em vista a qualidade técnica de sua produção.
Apesar do empenho e da pesquisa no desenvolvimento de uma produção artística baseada na gravura – principalmente a gravura em metal – Dinéia dedicou-se também, se bem que em menor escala, à pintura sobre tela, técnica em que seu trabalho foi pouco divulgado, ficando sua produção restrita ao acervo de alguns poucos amigos. Figuras humanas e naturezas mortas foram os temas utilizados nessa técnica, enquanto que na gravura, houve sempre uma variedade maior de propostas temáticas, com preocupações sociais, de gênero e séries voltadas para a representação de atividades infantis.
Família: preocupação social no trabalho de Dinéia Dutra

Ao se abordar a produção artística de Dinéia, é possível levantar algumas questões relacionadas à sua preocupação com o discurso de gênero e ao engajamento político da artista como pessoa atuante e de grande envolvimento com as questões sociais. Através de algumas de suas gravuras é possível perceber questões como a da maternidade, encontrada no trabalho de mesmo nome por um viés relacionado ao gênero e também, como pode ser encontrada em outro trabalho intitulado “Família”, onde uma denuncia social aparece com características bem mais expressivas que a questão percebida na gravura anterior.
Uníssono: tema infantil

Relacionamentos, crendices, religiosidade, trabalho, são temas abordados com intensidade pela artista, assim como questões vividas e vivenciadas na infância, como os jogos infantis, a música e a representação teatral.
O potencial do trabalho elaborado por Dinéia Dutra pode ser visto não apenas na técnica e no desenvolvimento do processo de produção e definição da temática, mas também na maneira e na preocupação com que a artista trabalha a composição e as cores, quando as utiliza em cada trabalho. Em decorrência de material de ateliê preservado, é possível ver a maneira como as cores eram trabalhadas principalmente nas gravuras com temática infantil, onde a sequência, composição e seleção de tonalidades eram procuradas com o máximo rigor, inclusive com a utilização de canetas hidrocor sobre as provas, na tentativa de visualização das várias possibilidades de cor. É possível perceber também a interferência em algumas provas, onde a artista inseria novos personagens na tentativa de elaborar melhor a composição e o equilíbrio da imagem.

Hoje suas gravuras aparecem no acervo dos principais museus e galerias de Goiânia, assim como de várias coleções particulares em várias cidades brasileiras. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

frei Confaloni e arte mural

Processo artístico em que Confaloni esteve envolvido por praticamente toda a sua vida como pintor, não podemos deixar de mencionar, foi o afresco. Trata-se de uma técnica de pintura mural, cujo nome provém do italiano fresco, consistindo na pintura executada, geralmente sobre uma base preparada com gesso ou mesmo com uma nata de cal ainda úmida, onde o artista trabalha utilizando pigmentos puros diluídos em água. Em decorrência dessa maneira de aplicação da tinta sobre a base especificada, as cores penetram no revestimento e, ao secarem, integram-se ao suporte em profundidade, deixando de ser uma simples pintura, passando a integrar a superfície na qual foram aplicadas. Nesse caso, o suporte para esse tipo de pintura pode ser uma parede, um muro ou mesmo o teto de uma edificação, sendo que a durabilidade do trabalho será tanto maior quanto mais seco for o clima da região, pois, em regiões de clima úmido a possibilidade de rachaduras nos suportes – parede, muros ou tetos – com prejuízo para a pintura é muito maior.
Segundo Tirello (2001, p. 72), o afresco

é a pintura executada com pigmentos destemperados, simplesmente com água pura sobre, sobre uma argamassa ainda fresca. O processo do afresco usufrui a propriedade da cal de formar – com a areia, a água e as cores – uma estrutura cristalina, resistente e impermeável após a secagem.

Demanda, esse processo, o uso de uma paleta de cores predominantemente minerais quase (no dizer de Tirello) constantes e previsíveis. Já no século I, em seu Tratado de Arquitetura, Vitrúvio (2006, p. 268), ao falar sobre os revestimentos em um edifício diz que, no caso do afresco

as cores, quando são aplicadas diligentemente com o revestimento húmido, não desaparecem, mas, por isso mesmo, permanecem para sempre, porque a cal, ao ser cozida nos fornos, esvaída de água e com porosidades, obrigada pela secura, apodera-se de tudo o que nela por acaso toca; e, ao tornar-se sólida, congrega partículas ou elementos nas misturas caracterizadas por várias propriedades, sendo formada por todas essas partes do todo, de tal maneira que, ao secar, surge revelando as qualidades que lhe são próprias.

Observa-se ainda que não basta ao artista muralista o conhecimento da técnica e do processo de preparo das cores. Esse tipo de trabalho requer ainda um bom entendimento de composição e uso racional do espaço disponível, tendo em vista a distribuição harmônica de planos e ângulos de visada.
E foi exatamente o reconhecimento quanto ao valor do trabalho desenvolvido por Confaloni no uso dessa técnica que despertou no bispo de Goiás o interesse por ver afrescos de sua autoria expostos nas paredes da igreja do convento dominicano da antiga Vila Boa. Observa-se ainda que, mesmo não sendo avaliado previamente, o clima de Goiás era um fator que contribuía grandemente para o desenvolvimento de tal processo artístico.

Afrescos da igreja do Rosário, em Goiás.

De acordo com Silveira (1991, p. 24),

É no afresco “Jesus Cristo Crucificado”, realizado três anos depois, durante a ocupação alemã, que vemos manifestados os primeiros avanços do que seria o seu estilo característico (...). É principalmente nas faces das figuras, nos pés de Cristo e no tratamento do segundo plano que vemos pela primeira vez o nascente estilo do artista, marcas de sua personalidade impressas na arte da pintura sacra.

No entanto, apesar de já aparecerem nesse afresco as características que marcariam para sempre sua produção, foi em um outro trabalho realizado cerca de dezesseis anos mais tarde, para a mesma capela de São Pedro Apóstolo, que, ainda segundo Silveira (1991, p. 24), Confaloni

dá mostras do vigor da técnica e do avanço do enfoque, agora permitindo um tratamento mais solto. Nele, vemos surgir, ainda que timidamente, o estilo que iria arrebatá-lo cada vez mais (...). É, em tudo, um trabalho onde surpreendemos o artista antevendo sua verdadeira arte, trilhando decididamente o caminho que o levaria longe.

Antes de embarcar para o Brasil, frei Confaloni, na seqüência do processo de desenvolvimento de sua formação como artista já havia participado de algumas exposições na Itália, destacando-se entre elas, o Salão Minerva de 1948, em Roma e de uma Coletiva em Milão, no ano seguinte.

pintura mural na capela particular dos padres Dominicanos em Goiás

Seu primeiro trabalho artístico no Brasil, como estava previsto, constituiu-se da execução de quinze painéis em afresco, representando a via sacra e a coroação da Virgem, no interior da igreja de N. S. do Rosário, ligada ao convento dominicano da cidade de Goiás. Trabalho já amadurecido em seus conceitos estéticos e ligado às tendências do modernismo europeu que, diga-se de passagem, foi totalmente incompreendido pela população vilaboense que chegou mesmo a hostilizar o artista. Mas também, como não hostilizar,

se já não bastasse um padre pintor e que, às vezes, andava em público sem batina – excentricidade máxima para os devotos daqueles tempos – como não se chocar com aquelas “figuras grotescas”, cujas anatomias “distorcem os ângulos de visão dos observadores?” (Silveira, 1991, p. 31),

numa pintura que apresentava o Cristo com uma expressão pouco usual, representava Nossa Senhora no momento da anunciação, insinuando sua gravidez, tudo isso em meio a figuras fantasmagóricas que mais assustavam que convenciam dos fatos religiosos ali retratados.

painel sobre os desbravadores na estação ferroviária de Goiânia

            Ao final da execução desses afrescos, Confaloni conhece Luis Augusto Curado, amigo de D. Candido Penso, escultor, pintor, gravurista, à época professor de matemática na Escola Técnica, em Goiânia. Curado que, desde a década anterior, participava da Sociedade Pró-Arte de Goiás, vinha batalhando, juntamente com outros membros da instituição, pela implantação de um curso de artes na nova capital, precisando para tanto, da adesão de novos artistas que pudessem contribuir com seus conhecimentos para a formação do corpo docente da nova escola.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A arquitetura portuguesa no Brasil


 Com o descobrimento do Brasil, e com o posterior interesse da Coroa portuguesa em sua exploração, várias foram as formas de ocupação buscadas.
Em 1549, vem para a colônia o primeiro grupo de padres da Companhia de Jesus, comandados por Manoel da Nóbrega, com o intuito de colaborar na ocupação e colonização do novo território. Tal colaboração, já definida previamente, deveria ter seu enfoque centrado principalmente na educação, dividida, em decorrência das circunstâncias impostas pela situação da nova colônia, em três pontos principais: a catequese, para os nativos; a educação formal, para os filhos dos colonos; e a formação de novos sacerdotes, criando, assim, os primeiros seminários do novo mundo português.
Segundo John Bury (1991, p. 43),

A conseqüência lógica do duplo papel dos membros da Companhia de Jesus no Brasil como missionários e como professores foi que, movidos pela necessidade, eles acabaram por se tornar os mais empreendedores entre os primeiros construtores da colônia e, em virtude de seu prestígio e suas habilidades, os principais expoentes do desenvolvimento da arte e da arquitetura brasileira, durante os dois primeiros séculos da colonização,

o que levou Lúcio Costa, em seu artigo “A arquitetura jesuítica no Brasil”, a afirmar que “as obras dos jesuítas, ou pelo menos grande parte delas, apresentam o que temos de mais antigo”, além de representarem, “as composições mais renascentistas, mais moderadas, regulares e frias, ainda imbuídas do espírito severo da Contra-Reforma”.
Edifício das Missões Jesuíticas no sul do país.
Próximos a esses edifícios em severidade e formalismo, podem ser encontrados aqueles representantes da arquitetura oficial, também com características marcadamente maneiristas.
Caminho diverso, entretanto, segue a arquitetura característica das nossas primeiras residências. Os edifícios residenciais do Brasil, durante o período colonial, desenvolvem-se segundo as características próprias da arquitetura popular portuguesa, notadamente aquela produzida nas regiões onde a influência moura mais se destacou. São métodos e técnicas construtivas que denotam não só uma cultura, mas também um modo de organização social próprio dos povos ibéricos que viveram sob o domínio dos árabes.
Arquitetura residencial de caráter tradicional na cidade de Goiás

Temos, portanto, que, em todos os aspectos, a arquitetura produzida no Brasil, dos primeiros séculos se apresenta menos como arquitetura brasileira do que como uma arquitetura que reflete tudo que os portugueses desenvolveram em seu próprio território.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

arquivo de projetos II

A cidade de Goiás guarda hoje um dos mais interessantes arquivos de projetos, relativos às décadas de 1920 e 1930, apresentando material desenvolvido em papel vegetal, papel linho, papel milimetrado, entre outros. Alguns foram construídos e se apresentam ainda hoje tal qual o projeto; outros estão totalmente descaracterizados e, outros ainda, supõe-se, nem foram construídos. Entre esses projetos, abrigados pelo Arquivo Frei Simão, encontramos a residência projetada por Walter Sócrates para B. Costa, cuja fachada se encontra hoje tal qual aparece no desenho.


Projeto encontrado no Arquivo Frei Simão

Datado de 1924 – data que aparece na parte central da platibanda – este projeto elaborado por Walter Sócrates do Nascimento é um dos edifícios ecléticos da cidade de Goiás que mais exprimem o caráter desse modelo arquitetônico.
O uso do porão alto, proporcionando a elevação do edifício em relação ao nível do terreno, além do uso de serralheria artística nas aberturas de ventilação voltadas para a via pública;
divisão da fachada marcada por falsas colunas, organizada em três blocos de larguras diferentes, apresentando cada uma delas, elementos decorativos diferenciados, tanto no que se refere aos relevos em massa, como à marcenaria artística das janelas;
escada de acesso terminando em um pequeno alpendre cujo bloco de fachada se encontra recuado em relação aos demais;
uso de elementos decorativos tais como linhas curvas, frisos, festões, cimalha;
emprego de platibanda cujo desenho se altera em função do bloco de fachada a que pertence e,
como já foi visto nas explicações de Nestor Goulart sobre esse modelo arquitetônico, a implantação em um terreno de largura considerável, permitindo um pequeno afastamento de um lado e, do outro, oferecendo espaço suficiente para a implantação de um pequeno jardim ornamental, cujo muro, rebaixado e elaborado com uso de elementos vazados, permite ao transeunte uma visão total do jardim.
Hoje, tanto a fachada quanto os elementos decorativos encontrados no portão e no muro do jardim lateral, são os mesmos encontrados nos desenhos.
Fachada principal do edifício

Detalhe da vazadura do muro do jardim

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Arquitetura em Goiás VI

OS NOVOS CONCEITOS DE MODERNIDADE

Ao mesmo tempo em que a arquitetura déco se desenvolvia em praticamente todo o mundo, novos conceitos de modernidade se apresentavam, utilizando propostas diferenciadas, além de se apoiarem em manifestos e documentos teóricos, o que o art déco desconsiderava, em suas propostas modernizantes.
A velocidade com que os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais se sucediam no Brasil das primeiras décadas do século XX, provocava, além de mudanças muito rápidas, um sério acirramento nas discussões, que, no mais das vezes, levava a rupturas e engajamentos dos artistas e intelectuais em uma série de linhas de pensamentos e posicionamentos teóricos. Em arquitetura, o predomínio do grupo que defendia um caráter nacionalista, com base nos conceitos ecléticos do neocolonial, provocava a crítica e a rebeldia daqueles que procuravam linhas mais progressistas e menos acadêmicas, ou mesmo o que à época era denominado “historicista”. Nesse grupo, estavam principalmente os estudantes e os arquitetos mais jovens que viam nas discussões internacionais uma possibilidade maior de modernização da arquitetura brasileira.
Em termos internacionais, a década de 1920 foi marcada pela realização, em Atenas, na Grécia, do primeiro Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM –, que de certa forma iniciou um grupo de arquitetos brasileiros nos debates modernistas. Foi também o momento em que Le Corbusier, teve suas idéias divulgadas na América do Sul, a partir de uma série de palestras e debates levados a efeito no Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires. A partir de tais contatos, Lúcio Costa, Carlos Leão, Cármen Portinho e Vital Brazil, no Rio de Janeiro, assim como Gregori Warchavchik, Jayme da Silva Telles e Flávio de Carvalho, em São Paulo, influenciados pelas palavras do grande teórico franco-suíço, passaram a desenvolver e a defender sua linha de pensamento.
A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, trouxe para a arquitetura brasileira a possibilidade de avanços significativos. A escolha de Gustavo Capanema para o Ministério da Educação e Saúde trouxe para dentro da repartição pública, os debates que já vinham ocorrendo já, há quase uma década, sobre as questões modernistas, principalmente nas artes plásticas e na literatura. Capanema cerca-se de nomes como Drumond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Mello Franco e Lúcio Costa, entre outros que, além de colocarem na prática as idéias modernistas, definem uma outra linha de pesquisa para as questões modernas, que é o estudo sistemático das coisas relacionadas com o nosso passado, definindo os conceitos do que seria o patrimônio histórico, além de uma legislação de proteção ao acervo cultural brasileiro.
Nesse momento, Mário de Andrade, atendendo a uma solicitação pessoal de Capanema, elabora o texto do “Artigo 25”, sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico, e Lúcio Costa assume a direção da Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA). Já havendo participado do movimento neocolonial e inclusive desenvolvido projetos com essa caracterização, Lúcio Costa, ao assumir a direção da escola, estava em franco entusiasmo com os conceitos modernistas, levando para aquela instituição de ensino, vários arquitetos vinculados ao novo processo arquitetônico. Grandes vão ser as desavenças entre modernistas e neocolonialistas dentro da escola, que culminam na demissão de Lúcio Costa, no ano seguinte. De acordo com Lauro Cavalcanti (2001, p.14)

os “modernos” são considerados “dignos” pelo estado de tornarem “digna”, em seu nome, a produção que sofrerá uma operação de “sacralização” através da inscrição nos Livros de Tombo e de uma legislação especial que impede o seu desaparecimento ou descaracterização. Adquiriram, também, a prerrogativa de opinar em construções no entorno de bens tombados. Na prática, tal função conferiu-lhes o papel de planejadores não só das cidades históricas, como também da área central da maior parte das capitais.

Os conceitos de modernidade e desenvolvimento, que passam a representar o governo Vargas, determinam a implantação e o desenvolvimento no país, de duas correntes distintas dentro do processo evolutivo da arquitetura brasileira. Não havendo por essa época nada que as separasse, as tendências tanto do que hoje é conhecido como “modernista” quanto como “art déco”, eram à época caracterizadas pelo título de “arquitetura moderna”, em oposição radical aos conceitos da arquitetura eclética. Revistas especializadas desse período apresentavam suas diferenças como resultantes de suas origens, sendo o déco citado como tendência francesa e o modernismo como tendência alemã. E, mesmo que a modernização da arquitetura brasileira tenha passado pelo conhecimento e aprendizagem de tais influências, de acordo com Segawa (1997, p. 112),

a arquitetura moderna brasileira, mesmo informada de um conteúdo internacionalista, corresponde a um esforço de transfiguração de concepções, adquirindo cores próprias sem se apoiar numa tradição local imediata (eclética nas três primeiras décadas do século 20), mas buscando no passado referências de identidade – um desafio próprio daqueles que buscam a criação e a originalidade inerentes à contemporaneidade, mesmo enfrentando e carregando as marcas das incoerências políticas e sociais bem como o peso das divergências ideológicas de um país à margem.

Assim, os conceitos e estudos desenvolvidos por grande parte dos modernistas brasileiros, sobre a arquitetura do período colonial, vão levar a uma produção de caráter eminentemente brasileiro, mesmo que as origens dessa modernidade estejam na Europa ou mesmo nos Estados Unidos da América. Além do mais, com seu caráter social e ético, consegue se sobrepor e abafar, em definitivo, a arquitetura neocolonial, que, de certo modo, ainda tentava se manter, disputando lugar com os modernistas.
Apesar de já contar com os projetos de Gregori Warchavchik, em São Paulo, desde 1927, o edifício considerado marco inicial de desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil, vai ser, sem sombra de dívida, a sede do Ministério da Educação e Saúde, de 1936, na capital federal, que contou, para seu desenvolvimento com a participação de vários arquitetos modernistas, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos, além da consultoria do mestre Le Corbusier. Também considerado como marco de referência da arquitetura moderna brasileira, principalmente para a crítica internacional, vai ser o pavilhão brasileiro, na Feira Internacional de Nova York, de 1939-1940, cujo projeto elaborado por Lúcio Costa em parceria com Oscar Niemeyer, que, segundo Cavalcanti (2001, p.407), proporcionaram uma leitura particularizada dos conceitos desenvolvidos por Le Corbusier, demonstrando a relatividade do que se considerava como divisões clássicas entre função organicismo e racionalidade, confirmando o modernismo como a vanguarda do que já se elaborava em território brasileiro. A construção de Brasília vem, assim, coroar esse desenvolvimento, passando a partir de então, a arquitetura moderna brasileira a se orientar, em várias direções, com características específicas próprias a cada uma delas.
A partir de então, algumas características vão marcar o desenvolvimento desse modelo arquitetônico, determinando alguns grupos que se sobressaem em diferentes regiões do país e que passam a ser considerados como escolas, sobressaindo-se entre elas, a carioca, a paulista e a pernambucana ou do Recife, principalmente. No Recife, o nome de maior destaque vai ser o de Luís Nunes, formado no Rio de Janeiro, no período de efervescência das discussões modernistas, tendo como estudante se destacado nos movimentos pela permanência de Lúcio Costa, na direção da ENBA. Foi o primeiro arquiteto a desenvolver projetos modernistas no nordeste, inovando no uso de materiais e nos conceitos formulados no período em que esteve à frente da Diretoria de Arquitetura e Construção de Pernambuco. Sua morte prematura, aos vinte e nove anos, se por um lado encerrou o desenvolvimento de seus trabalhos, não foi, no entanto, empecilho ao desenvolvimento do modernismo no nordeste, tendo continuidade através de outros arquitetos incentivados pelo trabalho pioneiro de Nunes.
No caso paulista, a proximidade com o Rio de Janeiro e a participação nos amplos debates e discussões em desenvolvimento, na capital federal, não se apresentaram como impedimento a uma produção arquitetônica de características próprias, evoluindo-se praticamente em paralelo àquela. Destaca-se, dentro da chamada escola paulista, João Vilanova Artigas, seguido de perto por Paulo Mendes da Rocha, entre outros. Formado pela Escola Politécnica de São Paulo, Artigas teve seu trabalho caracterizado pela ousadia no uso do concreto, pelos grandes vãos, além da preferência pela linha reta e ângulos nem sempre retos. Na arquitetura paulista, o concreto se apresenta como um elemento fundamentalmente plástico, sendo utilizado ao natural, e, em determinados momentos seu uso tem sido rotulado como “brutalista” (Reis Filho, 1976, p.94).
Apesar de elaborarem projetos para praticamente todo o território nacional, os arquitetos cariocas conseguiram desenvolver uma forma de trabalho e um padrão arquitetônico que os diferenciou, ao mesmo tempo em os transformou em referência e sinônimo de modernidade completa. E, sendo o modernismo um movimento, calcado em conceitos e regras teóricas definidas, são, durante várias décadas, os arquitetos cariocas os que se colocaram na vanguarda da produção, não somente teórica, como crítica e conceitual, propondo, dentro da produção modernista, a releitura e atualização de conceitos próprios da arquitetura do período colonial de caráter vernacular.
A implantação do modernismo, na arquitetura brasileira, propiciou também o desenvolvimento de uma ação integrada entre o edifício e o espaço público. Comentando sobre a implantação de Brasília, diz Reis Filho (1976, p.94) que, pela primeira vez, em nossa arquitetura foi possível encontrar uma solução que resolvesse, de modo amplo e simultaneamente, tanto problemas arquitetônicos quanto urbanísticos, permitindo com isso um aumento nas probabilidades de sucesso em ambos os setores.
Em Goiânia, esse modelo de arquitetura passa a ter representatividade, em princípios da década de 1950, com os projetos desenvolvidos por Eurico Godoy e Elder Rocha Lima, dois arquitetos goianos recém formados no Rio de Janeiro e fortemente influenciados pelo que se estava fazendo por essa época, naquela cidade.

A arquitetura modernista em Goiânia

A arquitetura de caráter modernista teve sua estréia, em Goiás, no ano de 1952 através do projeto de um edifício residencial desenvolvido por Eurico Godoy, para Terezinha M. S. Bacelar, a ser construído, na esquina da Avenida 10 com a Rua 91, no Setor Central.
Esse projeto representou para a arquitetura desenvolvida à época, em Goiânia, um coroamento no que se relaciona aos interesses modernizantes pretendidos pelo fundador, trazendo para o estado, o movimento modernista, com um atraso de praticamente trinta anos em relação ao que já acontecia nas outras capitais do país.
Fachadas da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy

Além da importância decorrente do momento histórico de sua implantação na cidade, esse projeto se apresenta com soluções extremamente simples,

O que pode ser percebido na forma retangular utilizada e na organização espacial tanto interna quanto externa, apenas que utilizando uma tradição ainda desconhecida da população goianiense, no que diz respeito a essa organização. Sendo assim, transforma o alpendre em uma varanda que ocupa toda a largura do retângulo, abrindo o bloco do edifício com a profundidade provocada por esse elemento, além de criar uma sensação de amplitude, com a utilização de panos de vidro, integrando estar, varanda e o exterior da residência (Coelho, 1994, p. 4).

Percebe ainda, ao se analisar a planta desse edifício, uma certa rigidez no que se refere à distribuição dos espaços, apesar de estar clara a preocupação com um certo racionalismo em sua organização. A utilização de um pequeno jardim de inverno – o que se constitui em uma das maiores inovações do projeto – atua no edifício como um elemento de integração que amplia o espaço da sala de estar, além de promover tanto a iluminação quanto a ventilação de áreas internas e reduzir visualmente o corredor de distribuição.
Planta da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy

Com relação à volumetria do edifício, a primeira coisa que se pode observar é o deslocamento do edifício em relação ao terreno, colocando a varanda em balanço e, forçando o aparecimento de uma sinuosa rampa de acesso. Elemento que se destaca em relação ao padrão residencial desenvolvido na cidade, até então, é a fachada voltada para a Rua 91.
percebe-se através dessa elevação, o caimento do telhado, em duas águas, com calha central, convergindo para o jardim de inverno, que divide a edificação em dois blocos trapezoidais. Dando continuidade ao movimento provocado por tais elementos, temos no bloco que corresponde à área íntima, uma grande abertura com esquadria que atende em uma única peça, tanto ao quarto quanto ao banheiro, abrindo assim, quase que toda a largura da parede para o exterior (Coelho, 1994, p. 4).


Quanto à utilização dos materiais construtivos, não houve, nesse edifício, a adoção de nada que pudesse ser considerado inovador, dentro dos padrões utilizados em Goiânia, até então. Apesar de já existirem esquadrias metálicas, o que se tem aí, é a utilização de da madeira, com grandes vãos envidraçados, sendo que, elaboradas em metal, apenas as portas que separam a sala da varanda e do jardim de inverno. Os metais, luminárias e materiais de acabamento são praticamente os mesmos encontrados nas demais residências do centro da cidade. Convém observar que eram praticamente materiais importados de outras regiões, já que não existiam em Goiânia, indústrias que atendessem a tais necessidades. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

Arquitetura em Goiás V

A ARQUITETURA ART DÉCO E A CONSTRUÇÃO DA NOVA CAPITAL

Fundada em um dos momentos de maior transformação da história do Brasil, a cidade de Goiânia representou, dentro dos conceitos de modernização e progresso que marcaram o governo de Getúlio Vargas, a possibilidade de se implantar, na parte mais central do país, uma cidade que trouxesse em si todo o potencial de modernidade que se considerava possível à época.
A arquitetura, que passa a representar esse momento da história, se apresenta como decorrente de uma série de modificações, experiências e novas propostas que, no geral, representavam as angústias e ansiedades próprias do período entre-guerras, responsáveis por grandes transformações ocorridas, em praticamente todo o mundo, nas décadas seguintes.
Em meio a todas as transformações em andamento, envolvendo as artes plásticas, a literatura, a música, a dança, entre outras atividades é que

surge também o art déco, apresentado formalmente em 1925, na Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Modernas, acontecida em Paris. De uma forma geral, esse estilo apresentava-se como uma evolução, ou proposta de substituição ao art nouveau, já um tanto saturado à época (Coelho, 1997, p. 17).

Esse modelo arquitetônico que teve seu maior desenvolvimento no decorrer da década de 1930, com o apogeu, em fins da década de 1940, passou a representar todas as expectativas de modernidades percebidas pelos goianos, influenciando também todas as cidades do interior do estado que, vendo na nova capital um modelo a ser seguido, passaram a se utilizar de todos os elementos representativos do novo estilo para representar a modernidade de seus principais edifícios.
Esse foi, particularmente, um momento de grande crescimento na produção arquitetônica desenvolvida no Brasil, principalmente no que se relaciona ao desenvolvimento de um acervo de responsabilidade do poder público. Surge, nesse período, um significativo número de edificações, visando atender às necessidades públicas de escolas, repartições governamentais e, destacando-se tanto em número quanto em variedade de modelos, as agências dos Correios e Telégrafos. Convém observar que, a partir da contratação e organização de um amplo corpo técnico, o Departamento de Correios e Telégrafos

implantará sedes regionais e agências com as características do art déco em todo o país. Esses edifícios variavam entre obras mais elaboradas e detalhadas, como as de Belém, Fortaleza e Belo Horizonte, até as mais modestas, como as encontradas no interior de Goiás que, com toda a sua simplicidade, demonstram a total preocupação da época com o apuro estético (Coelho, 1997, p.33).

No caso específico de Goiânia, que além de representar um momento particularmente importante do desenvolvimento político e social do país, deveria também caracterizar um processo de crescimento arquitetônico e urbanístico através do qual se pretendia a modernização do estado e a transferência da capital.
Assim, dadas as circunstâncias e a situação econômica por que passava o governo do estado, o resultado arquitetônico foi uma produção de estrema sobriedade com tendências classicizantes que representava, em todos os sentidos, o poder autoritário que naquele momento comandava o país. Em relação ao que se construiu na nova capital, durante esse período, no sentido de abrigar as administrações tanto federal quanto estadual e municipal, são edifícios que tiveram por base essas características, além de se utilizarem basicamente dos recursos disponibilizados pelo estado. Sendo assim, nada mais natural que essa produção se caracterize, pelo menos nos primeiros momentos e principalmente nos edifícios de caráter oficial, por uma volumetria cubista, organizada em função de uma estrutura racional, buscando uma certa economia, o que vai contribuir fortemente para que seja considerada extremamente simples, em relação ao que se fazia no restante do país, além de ser vista como revestida de forte gosto neoclássico. Não é a toa que Armando de Godoy (1979, p. 52) já dizia em seu relatório sobre a construção da nova capital que

Um edifício público não precisa ser constituído por materiais caros para se impor à admiração geral do ponto de vista estético. A beleza de uma construção está na relação das suas diferentes partes e na distribuição dos seus volumes (...). os edifícios públicos da futura capital podem perfeitamente corresponder a seus fins, inclusive os de ordem estética, concorrendo, portanto, para aformoseá-la, sem que, entretanto, a sua construção absorva elevadas somas, desde que sejam projetadas e não haja a preocupação de se realizar obra de luxo.

Além de seu caráter simbólico de novo centro do poder, a cidade de Goiânia passa a dominar o imaginário das pessoas também por suas características representativas de uma modernidade ansiada por toda a população, tendo em vista a totalidade dos discursos políticos da época que batiam sempre na questão da importância de vincular o estado de Goiás aos novos conceitos de modernidade em andamento não só no restante do país, mas também na maioria dos países considerados progressistas.
Nesse momento, a arquitetura em desenvolvimento no estado, passa a acontecer em consonância com o que acontecia em praticamente todo o país. O mesmo acontecia nas cidades do interior. O prefeito de Ipameri organizou um concurso de projetos para a construção da nova sede da administração municipal e todos os projetos apresentados foram desenvolvidos dentro dos estilemas do art déco. Edifícios escolares, as agências dos correios e telégrafos, cinemas, mobiliário urbano e  um grande número de edifícios comerciais e residências começam a apresentar os elementos próprios do déco.
Em Ipameri, a sede da Prefeitura Municipal, o Colégio Eduardo Mancini, a agência dos correios, agências bancárias e um grande número de projetos residenciais desenvolvidos por arquitetos locais e mesmo alguns contratados em Goiânia ou São Paulo. Em Goiandira, a agência dos correios, a segunda estação ferroviária, a torre do relógio na praça principal da cidade, além de várias residências. O mesmo acontece em Catalão, Pires do Rio, na secular Bonfim, que por essa época tem seu nome alterado para Silvânia e mesmo Anápolis que, em 1935, passou a ser o ponto final da linha férrea. Praticamente, da década de 1930 à de 1950, o art déco foi a principal referência de modernidade para a população de todas as cidades do interior de Goiás. 
Torre do relógio em Goiandira com características art déco

Em Goiânia, entre os edifícios de caráter público, destacam-se as duas estações ferroviárias, tanto a central quanto a do Setor Campinas, o Teatro Goiânia e o edifício do Museu Prof. Zoroastro Artiaga, este último construído para sediar o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – a polícia política do período do Estado Novo. Entre as edificações de caráter particular, destacam-se a residência do fundador da cidade, atual Museu Pedro Ludovico e uma residência já demolida, na esquina da Rua 2 com a Avenida Tocantins. As sedes da Associação Goiana de Pecuária, Associação Goiana de Agricultura e a antiga sede do Banco do Brasil, na esquina da Rua 1 com a Avenida Goiás, representam os edifícios institucionais com essas características.
Edifício do Teatro Goiânia

O edifício art déco do Museu Zoroastro Artiaga

Projetado, em 1945, pelo engenheiro polonês Kazimierz Bartoszenvski, esse edifício deveria inovar a arquitetura goiana em uma série de elementos, sendo o principal deles o uso de grandes vãos, o que permitiria uma extrema mobilidade dos espaços internos, caracterizada por um pequeno número de paredes no pavimento superior e praticamente nenhuma no inferior.
Fazia parte do projeto original, um volume central de forma circular que abrigaria uma cobertura translúcida que deveria projetar iluminação natural sobre a ampla escada situada no centro geométrico do edifício. Supõe-se que para os padrões da época, essa escada também provocaria um certo espanto, sendo, possivelmente, liberada de maiores estruturações.
Projeto elaborado para a sede do Departamento de Imprensa e Propaganda

De base quadrada, compondo uma fachada de extrema austeridade, com altas colunas e de composição elaborada com perfeito equilíbrio, é um edifício que marca bem as características dos fins para os quais foi projetado. Mais até que o edifício do palácio do governo era essa construção a representação mais próxima dos conceitos políticos desenvolvidos pelo Estado Novo.
Fachada atual do edifício que hoje abriga o Museu Zoroastro Artiaga

Entretanto, provavelmente em decorrência da falta de mão-de-obra especializada para sua perfeita execução, esse edifício sofreu, em sua construção, alteração que descaracterizaram por completo suas principais intenções projetuais: a escada foi transferida para uma das laterais, a cobertura translúcida nunca foi executada e os grandes vão nunca chegaram a acontecer. Para completar, no decorrer da década de 1960, as janelas do pavimento superior de sua fachada oeste foram emparedadas no intuito de diminuir o calor que incomodava os funcionários, o que, de certa forma, aumentou a austeridade do edifício.
Planta executada com alterações, em 1946.


Apesar de ter sido o projeto para esse edifício elaborado, em 1945, sua construção só teve início, em 1946, ano em que o DIP foi extinto através do Decreto-lei n° 383, de 6 de fevereiro. Através do mesmo decreto foi criado o Departamento de Educação e Cultura (DEC), ao qual estava vinculado o Museu Estadual. Sem sede própria, o museu funcionou em conjunto com o DEC, com exposição permanente e acervo eminentemente eclético.