domingo, 25 de janeiro de 2015

Arquitetura em Goiás V

A ARQUITETURA ART DÉCO E A CONSTRUÇÃO DA NOVA CAPITAL

Fundada em um dos momentos de maior transformação da história do Brasil, a cidade de Goiânia representou, dentro dos conceitos de modernização e progresso que marcaram o governo de Getúlio Vargas, a possibilidade de se implantar, na parte mais central do país, uma cidade que trouxesse em si todo o potencial de modernidade que se considerava possível à época.
A arquitetura, que passa a representar esse momento da história, se apresenta como decorrente de uma série de modificações, experiências e novas propostas que, no geral, representavam as angústias e ansiedades próprias do período entre-guerras, responsáveis por grandes transformações ocorridas, em praticamente todo o mundo, nas décadas seguintes.
Em meio a todas as transformações em andamento, envolvendo as artes plásticas, a literatura, a música, a dança, entre outras atividades é que

surge também o art déco, apresentado formalmente em 1925, na Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Modernas, acontecida em Paris. De uma forma geral, esse estilo apresentava-se como uma evolução, ou proposta de substituição ao art nouveau, já um tanto saturado à época (Coelho, 1997, p. 17).

Esse modelo arquitetônico que teve seu maior desenvolvimento no decorrer da década de 1930, com o apogeu, em fins da década de 1940, passou a representar todas as expectativas de modernidades percebidas pelos goianos, influenciando também todas as cidades do interior do estado que, vendo na nova capital um modelo a ser seguido, passaram a se utilizar de todos os elementos representativos do novo estilo para representar a modernidade de seus principais edifícios.
Esse foi, particularmente, um momento de grande crescimento na produção arquitetônica desenvolvida no Brasil, principalmente no que se relaciona ao desenvolvimento de um acervo de responsabilidade do poder público. Surge, nesse período, um significativo número de edificações, visando atender às necessidades públicas de escolas, repartições governamentais e, destacando-se tanto em número quanto em variedade de modelos, as agências dos Correios e Telégrafos. Convém observar que, a partir da contratação e organização de um amplo corpo técnico, o Departamento de Correios e Telégrafos

implantará sedes regionais e agências com as características do art déco em todo o país. Esses edifícios variavam entre obras mais elaboradas e detalhadas, como as de Belém, Fortaleza e Belo Horizonte, até as mais modestas, como as encontradas no interior de Goiás que, com toda a sua simplicidade, demonstram a total preocupação da época com o apuro estético (Coelho, 1997, p.33).

No caso específico de Goiânia, que além de representar um momento particularmente importante do desenvolvimento político e social do país, deveria também caracterizar um processo de crescimento arquitetônico e urbanístico através do qual se pretendia a modernização do estado e a transferência da capital.
Assim, dadas as circunstâncias e a situação econômica por que passava o governo do estado, o resultado arquitetônico foi uma produção de estrema sobriedade com tendências classicizantes que representava, em todos os sentidos, o poder autoritário que naquele momento comandava o país. Em relação ao que se construiu na nova capital, durante esse período, no sentido de abrigar as administrações tanto federal quanto estadual e municipal, são edifícios que tiveram por base essas características, além de se utilizarem basicamente dos recursos disponibilizados pelo estado. Sendo assim, nada mais natural que essa produção se caracterize, pelo menos nos primeiros momentos e principalmente nos edifícios de caráter oficial, por uma volumetria cubista, organizada em função de uma estrutura racional, buscando uma certa economia, o que vai contribuir fortemente para que seja considerada extremamente simples, em relação ao que se fazia no restante do país, além de ser vista como revestida de forte gosto neoclássico. Não é a toa que Armando de Godoy (1979, p. 52) já dizia em seu relatório sobre a construção da nova capital que

Um edifício público não precisa ser constituído por materiais caros para se impor à admiração geral do ponto de vista estético. A beleza de uma construção está na relação das suas diferentes partes e na distribuição dos seus volumes (...). os edifícios públicos da futura capital podem perfeitamente corresponder a seus fins, inclusive os de ordem estética, concorrendo, portanto, para aformoseá-la, sem que, entretanto, a sua construção absorva elevadas somas, desde que sejam projetadas e não haja a preocupação de se realizar obra de luxo.

Além de seu caráter simbólico de novo centro do poder, a cidade de Goiânia passa a dominar o imaginário das pessoas também por suas características representativas de uma modernidade ansiada por toda a população, tendo em vista a totalidade dos discursos políticos da época que batiam sempre na questão da importância de vincular o estado de Goiás aos novos conceitos de modernidade em andamento não só no restante do país, mas também na maioria dos países considerados progressistas.
Nesse momento, a arquitetura em desenvolvimento no estado, passa a acontecer em consonância com o que acontecia em praticamente todo o país. O mesmo acontecia nas cidades do interior. O prefeito de Ipameri organizou um concurso de projetos para a construção da nova sede da administração municipal e todos os projetos apresentados foram desenvolvidos dentro dos estilemas do art déco. Edifícios escolares, as agências dos correios e telégrafos, cinemas, mobiliário urbano e  um grande número de edifícios comerciais e residências começam a apresentar os elementos próprios do déco.
Em Ipameri, a sede da Prefeitura Municipal, o Colégio Eduardo Mancini, a agência dos correios, agências bancárias e um grande número de projetos residenciais desenvolvidos por arquitetos locais e mesmo alguns contratados em Goiânia ou São Paulo. Em Goiandira, a agência dos correios, a segunda estação ferroviária, a torre do relógio na praça principal da cidade, além de várias residências. O mesmo acontece em Catalão, Pires do Rio, na secular Bonfim, que por essa época tem seu nome alterado para Silvânia e mesmo Anápolis que, em 1935, passou a ser o ponto final da linha férrea. Praticamente, da década de 1930 à de 1950, o art déco foi a principal referência de modernidade para a população de todas as cidades do interior de Goiás. 
Torre do relógio em Goiandira com características art déco

Em Goiânia, entre os edifícios de caráter público, destacam-se as duas estações ferroviárias, tanto a central quanto a do Setor Campinas, o Teatro Goiânia e o edifício do Museu Prof. Zoroastro Artiaga, este último construído para sediar o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – a polícia política do período do Estado Novo. Entre as edificações de caráter particular, destacam-se a residência do fundador da cidade, atual Museu Pedro Ludovico e uma residência já demolida, na esquina da Rua 2 com a Avenida Tocantins. As sedes da Associação Goiana de Pecuária, Associação Goiana de Agricultura e a antiga sede do Banco do Brasil, na esquina da Rua 1 com a Avenida Goiás, representam os edifícios institucionais com essas características.
Edifício do Teatro Goiânia

O edifício art déco do Museu Zoroastro Artiaga

Projetado, em 1945, pelo engenheiro polonês Kazimierz Bartoszenvski, esse edifício deveria inovar a arquitetura goiana em uma série de elementos, sendo o principal deles o uso de grandes vãos, o que permitiria uma extrema mobilidade dos espaços internos, caracterizada por um pequeno número de paredes no pavimento superior e praticamente nenhuma no inferior.
Fazia parte do projeto original, um volume central de forma circular que abrigaria uma cobertura translúcida que deveria projetar iluminação natural sobre a ampla escada situada no centro geométrico do edifício. Supõe-se que para os padrões da época, essa escada também provocaria um certo espanto, sendo, possivelmente, liberada de maiores estruturações.
Projeto elaborado para a sede do Departamento de Imprensa e Propaganda

De base quadrada, compondo uma fachada de extrema austeridade, com altas colunas e de composição elaborada com perfeito equilíbrio, é um edifício que marca bem as características dos fins para os quais foi projetado. Mais até que o edifício do palácio do governo era essa construção a representação mais próxima dos conceitos políticos desenvolvidos pelo Estado Novo.
Fachada atual do edifício que hoje abriga o Museu Zoroastro Artiaga

Entretanto, provavelmente em decorrência da falta de mão-de-obra especializada para sua perfeita execução, esse edifício sofreu, em sua construção, alteração que descaracterizaram por completo suas principais intenções projetuais: a escada foi transferida para uma das laterais, a cobertura translúcida nunca foi executada e os grandes vão nunca chegaram a acontecer. Para completar, no decorrer da década de 1960, as janelas do pavimento superior de sua fachada oeste foram emparedadas no intuito de diminuir o calor que incomodava os funcionários, o que, de certa forma, aumentou a austeridade do edifício.
Planta executada com alterações, em 1946.


Apesar de ter sido o projeto para esse edifício elaborado, em 1945, sua construção só teve início, em 1946, ano em que o DIP foi extinto através do Decreto-lei n° 383, de 6 de fevereiro. Através do mesmo decreto foi criado o Departamento de Educação e Cultura (DEC), ao qual estava vinculado o Museu Estadual. Sem sede própria, o museu funcionou em conjunto com o DEC, com exposição permanente e acervo eminentemente eclético.

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