A ARQUITETURA ART DÉCO E A CONSTRUÇÃO
DA NOVA CAPITAL
Fundada em um dos momentos de maior transformação da história do Brasil,
a cidade de Goiânia representou, dentro dos conceitos de modernização e
progresso que marcaram o governo de Getúlio Vargas, a possibilidade de se
implantar, na parte mais central do país, uma cidade que trouxesse em si todo o
potencial de modernidade que se considerava possível à época.
A arquitetura, que passa a representar esse momento da história, se
apresenta como decorrente de uma série de modificações, experiências e novas
propostas que, no geral, representavam as angústias e ansiedades próprias do
período entre-guerras, responsáveis por grandes transformações ocorridas, em
praticamente todo o mundo, nas décadas seguintes.
Em meio a todas as transformações em andamento, envolvendo as artes
plásticas, a literatura, a música, a dança, entre outras atividades é que
surge
também o art déco, apresentado formalmente em 1925, na Exposição Internacional
das Artes Decorativas e Industriais Modernas, acontecida em Paris. De uma forma
geral, esse estilo apresentava-se como uma evolução, ou proposta de substituição
ao art nouveau, já um tanto saturado à época (Coelho, 1997, p. 17).
Esse modelo arquitetônico que teve seu maior desenvolvimento no decorrer
da década de 1930, com o apogeu, em fins da década de 1940, passou a
representar todas as expectativas de modernidades percebidas pelos goianos,
influenciando também todas as cidades do interior do estado que, vendo na nova
capital um modelo a ser seguido, passaram a se utilizar de todos os elementos
representativos do novo estilo para representar a modernidade de seus
principais edifícios.
Esse foi, particularmente, um momento de grande crescimento na produção
arquitetônica desenvolvida no Brasil, principalmente no que se relaciona ao
desenvolvimento de um acervo de responsabilidade do poder público. Surge, nesse
período, um significativo número de edificações, visando atender às
necessidades públicas de escolas, repartições governamentais e, destacando-se
tanto em número quanto em variedade de modelos, as agências dos Correios e
Telégrafos. Convém observar que, a partir da contratação e organização de um
amplo corpo técnico, o Departamento de Correios e Telégrafos
implantará
sedes regionais e agências com as características do art déco em todo o país.
Esses edifícios variavam entre obras mais elaboradas e detalhadas, como as de
Belém, Fortaleza e Belo Horizonte, até as mais modestas, como as encontradas no
interior de Goiás que, com toda a sua simplicidade, demonstram a total
preocupação da época com o apuro estético (Coelho, 1997, p.33).
No caso específico de Goiânia, que além de representar um momento
particularmente importante do desenvolvimento político e social do país,
deveria também caracterizar um processo de crescimento arquitetônico e
urbanístico através do qual se pretendia a modernização do estado e a
transferência da capital.
Assim, dadas as circunstâncias e a situação econômica por que passava o
governo do estado, o resultado arquitetônico foi uma produção de estrema
sobriedade com tendências classicizantes que representava, em todos os
sentidos, o poder autoritário que naquele momento comandava o país. Em relação
ao que se construiu na nova capital, durante esse período, no sentido de
abrigar as administrações tanto federal quanto estadual e municipal, são
edifícios que tiveram por base essas características, além de se utilizarem
basicamente dos recursos disponibilizados pelo estado. Sendo assim, nada mais
natural que essa produção se caracterize, pelo menos nos primeiros momentos e
principalmente nos edifícios de caráter oficial, por uma volumetria cubista,
organizada em função de uma estrutura racional, buscando uma certa economia, o
que vai contribuir fortemente para que seja considerada extremamente simples,
em relação ao que se fazia no restante do país, além de ser vista como
revestida de forte gosto neoclássico. Não é a toa que Armando de Godoy (1979,
p. 52) já dizia em seu relatório sobre a construção da nova capital que
Um
edifício público não precisa ser constituído por materiais caros para se impor
à admiração geral do ponto de vista estético. A beleza de uma construção está
na relação das suas diferentes partes e na distribuição dos seus volumes (...).
os edifícios públicos da futura capital podem perfeitamente corresponder a seus
fins, inclusive os de ordem estética, concorrendo, portanto, para aformoseá-la,
sem que, entretanto, a sua construção absorva elevadas somas, desde que sejam
projetadas e não haja a preocupação de se realizar obra de luxo.
Além de seu caráter simbólico de novo centro do poder, a cidade de
Goiânia passa a dominar o imaginário das pessoas também por suas
características representativas de uma modernidade ansiada por toda a
população, tendo em vista a totalidade dos discursos políticos da época que
batiam sempre na questão da importância de vincular o estado de Goiás aos novos
conceitos de modernidade em andamento não só no restante do país, mas também na
maioria dos países considerados progressistas.
Nesse momento, a arquitetura em desenvolvimento no estado, passa a
acontecer em consonância com o que acontecia em praticamente todo o país. O
mesmo acontecia nas cidades do interior. O prefeito de Ipameri organizou um
concurso de projetos para a construção da nova sede da administração municipal
e todos os projetos apresentados foram desenvolvidos dentro dos estilemas do art
déco. Edifícios escolares, as agências dos correios e telégrafos, cinemas,
mobiliário urbano e um grande número de
edifícios comerciais e residências começam a apresentar os elementos próprios
do déco.
Em Ipameri, a sede da Prefeitura Municipal, o Colégio Eduardo Mancini, a
agência dos correios, agências bancárias e um grande número de projetos
residenciais desenvolvidos por arquitetos locais e mesmo alguns contratados em
Goiânia ou São Paulo. Em Goiandira, a agência dos correios, a segunda estação ferroviária,
a torre do relógio na praça principal da cidade, além de várias residências. O mesmo
acontece em Catalão, Pires do Rio, na secular Bonfim, que por essa época tem
seu nome alterado para Silvânia e mesmo Anápolis que, em 1935, passou a ser o
ponto final da linha férrea. Praticamente, da década de 1930 à de 1950, o art
déco foi a principal referência de modernidade para a população de todas as
cidades do interior de Goiás.
Torre do relógio em Goiandira com características art déco
Em Goiânia, entre os edifícios de caráter público, destacam-se as duas
estações ferroviárias, tanto a central quanto a do Setor Campinas, o
Teatro Goiânia e o edifício do Museu Prof. Zoroastro Artiaga, este último
construído para sediar o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – a
polícia política do período do Estado Novo. Entre as edificações de caráter
particular, destacam-se a residência do fundador da cidade, atual Museu Pedro
Ludovico e uma residência já demolida, na esquina da Rua 2 com a Avenida
Tocantins. As sedes da Associação Goiana de Pecuária, Associação Goiana de
Agricultura e a antiga sede do Banco do Brasil, na esquina da Rua 1 com a
Avenida Goiás, representam os edifícios institucionais com essas
características.
Edifício do Teatro Goiânia
O edifício art déco do Museu Zoroastro
Artiaga
Projetado, em 1945, pelo engenheiro polonês Kazimierz Bartoszenvski, esse
edifício deveria inovar a arquitetura goiana em uma série de elementos, sendo o
principal deles o uso de grandes vãos, o que permitiria uma extrema mobilidade
dos espaços internos, caracterizada por um pequeno número de paredes no
pavimento superior e praticamente nenhuma no inferior.
Fazia parte do projeto original, um volume central de forma circular que
abrigaria uma cobertura translúcida que deveria projetar iluminação natural
sobre a ampla escada situada no centro geométrico do edifício. Supõe-se
que para os padrões da época, essa escada também provocaria um certo espanto,
sendo, possivelmente, liberada de maiores estruturações.
Projeto elaborado para a sede do Departamento de Imprensa e Propaganda
De base quadrada, compondo uma fachada de extrema austeridade, com altas
colunas e de composição elaborada com perfeito equilíbrio, é um edifício que
marca bem as características dos fins para os quais foi projetado. Mais até
que o edifício do palácio do governo era essa construção a representação mais
próxima dos conceitos políticos desenvolvidos pelo Estado Novo.
Fachada atual do edifício que hoje abriga o Museu Zoroastro Artiaga
Entretanto, provavelmente em decorrência da falta de mão-de-obra
especializada para sua perfeita execução, esse edifício sofreu, em sua
construção, alteração que descaracterizaram por completo suas principais
intenções projetuais: a escada foi transferida para uma das laterais, a
cobertura translúcida nunca foi executada e os grandes vão nunca chegaram a
acontecer.
Para completar, no decorrer da década de 1960, as janelas do pavimento superior
de sua fachada oeste foram emparedadas no intuito de diminuir o calor que
incomodava os funcionários, o que, de certa forma, aumentou a austeridade do
edifício.
Planta executada com alterações, em 1946.
Apesar de ter sido o projeto para esse edifício elaborado, em 1945, sua
construção só teve início, em 1946, ano em que o DIP foi extinto através do
Decreto-lei n° 383, de 6 de fevereiro. Através do mesmo decreto foi criado o
Departamento de Educação e Cultura (DEC), ao qual estava vinculado o Museu
Estadual. Sem sede própria, o museu funcionou em conjunto com o DEC, com
exposição permanente e acervo eminentemente eclético.
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