O ECLETISMO NA
ARQUITETURA GOIANA
As primeiras manifestações de modernidade na arquitetura desenvolvida em
Goiás, só vão se apresentar, nas décadas iniciais do século XX, com a chegada
das primeiras composições ferroviárias, na região sudeste do estado.
Enquanto as demais regiões continuam a apresentar uma arquitetura de
caráter mais tradicional com a representação de uma forma de construir e morar
próprios do período colonial, as cidades do sudeste inovam, com o uso de
materiais e técnicas diferenciadas, assim como com o emprego de um programa
totalmente desconhecido dos goianos até então.
A implantação dos trilhos da Estrada de Ferro Goiás, no estado, desde sua
primeira estação, no município de Catalão, provocou profundas alterações, a
partir do momento em que seus primeiros edifícios – estações, galpões e
residências de funcionários – passaram a demonstrar a possibilidade de se
construir de forma diferenciada daquela tradicionalmente conhecida pelos
goianos.
Estação de Tapiocanga, já demolida, utilizando materiais inovadores para Goiás.
A primeira inovação foi quanto ao uso do tijolo queimado em substituição
ao adobe e a alvenaria de tijolo estruturada resolvendo de maneira satisfatória
um trabalho que antes só era possível com o emprego de gaiolas de madeira.
Permanece o uso de madeiramento apenas na cobertura, estruturando um telhado
que apresenta, nesse momento, um ponto mais alto, exigido pelo novo tipo de
telha utilizado. Passa a ser incorporada pela arquitetura desse período, a
telha francesa, em substituição à tradicional telha capa-e-bica de quase dois
séculos de uso na arquitetura goiana.
No piso, a mezanela, o tabuado corrido, a pedra e o chão batido, são
substituídos pelo cimento queimado e pelo ladrilho hidráulico, assim como o
estuque e o gesso passam a substituir a madeira na elaboração de forros, que
deixam também de ser uma exclusividade dos compartimentos mais nobres da
habitação para serem utilizados, em praticamente, todos os cômodos do edifício.
As primeiras construções desse período estão representadas pelos
edifícios das estações ferroviárias, pelas casas dos funcionários e por galpões
para depósitos de produtos. Posteriormente, com a intensificação dos meios de
comunicação, representados pelo telégrafo, aparecimento do telefone,
implantação de salas de cinema e principalmente do acesso que a população passou
a ter a um considerável número de jornais e revistas publicados principalmente
no Rio de Janeiro e São Paulo, também a arquitetura tanto residencial quanto
comercial, passou a sofrer influências da modernidade arquitetônica em
andamento, nos principais centros urbanos do país.
Localidades como Catalão e Ipameri, em um primeiro momento, e outras como
Goiandira, Urutaí, Pires do Rio e Anápolis, posteriormente, recebem uma
infinidade de edifícios com características ecléticas, representadas pelas
referências neoclássicas, neogóticas – principalmente nas construções
religiosas – neocoloniais, entre outras que, colocam essa região na posição de
principal centro econômico e progressista do estado, em posição de destaque
inclusive em relação à própria capital, Vila Boa.
Residência eclética em Catalão
De acordo com Borges (1990, p.121),
cidades
como Catalão, Ipameri, Caldas Novas, Morrinhos e Corumbaíba receberam melhorias
ou foram urbanizadas e logo passaram a contar com os benefícios das modernas
invenções do mundo capitalista, como a energia elétrica, o cinema, o telefone e
o telégrafo.
Assim, as cidades da região da estrada de ferro passam a se diferenciar
das demais, por uma série de elementos inovadores e modernizantes, assim como
passa apresentar uma arquitetura que vem inovar no uso de materiais, na forma
como o edifício passa se relacionar com o terreno e, principalmente, na maneira
como a planta da habitação se estrutura, propondo uma nova maneira de morar.
No mesmo período, algumas modificações passam a acontecer também na
capital, com modificações significativas em sua arquitetura. Os edifícios
públicos passam por uma série de alterações para que possam também apresentar
alguns elementos de modernidade. Edifícios como o do Senado Estadual, do
Mercado Municipal, do coreto, da antiga Casa de Fundição, recebem a
aplicação de elementos decorativos em relevo, em suas fachadas, revestindo-se
de uma modernidade que, entretanto, não alcança seus interiores.
Edifício onde funcionou a Casa de Fundição do ouro
Com isso, uma série de edifícios residenciais e comerciais começam e sofrer
as mesmas influências, com a aplicação de elementos decorativos em suas
fachadas, mantendo, no entanto, interiormente, a mesma organização
tradicionalmente conhecida desde as décadas iniciais do século XVIII.
Ao observar as transformações ocorridas na arquitetura brasileira, a
partir de finais do século XIX, Reis Filho (1976, p. 124-126), afirma que as
modificações ocorridas, no interior dos edifícios, não interferiram na
organização tradicionalmente conhecida até então, sendo conservadas a mesma
implantação, mesma distribuição, mesmas técnicas construtivas e, em muitos
casos, os mesmos profissionais. Ainda segundo esse autor, os elementos
estruturais, pelo emprego corrente da terra como elemento construtivo, na forma
de taipa-de-pilão, adobe e pau-a-pique, não permitiam a utilização de soluções
mais complexas, como as colunatas, frontões ou escadarias. Sendo assim, os
novos elementos decorativos a serem utilizados, restringiam-se à aplicação, nas
fachadas, de platibandas, coroamentos com vasos e figuras de louça, e a
substituição dos tradicionais arcos abatidos, pelos plenos, nas portas e
janelas.
Com isso, o que se percebe, no caso da cidade de Goiás é que
essas
modificações, surgem assim, com a aplicação de elementos das arquiteturas
neoclássica e eclética nas fachadas das residências, sem, contudo, interferir
na estrutura ou na organização interna desses edifícios. Aparecem então, em um
primeiro momento, fachadas que se utilizam das platibandas, eliminando os
beirais e sendo coroadas com pinhas e com vasos de louça colocados de forma a
dar continuidade às falsas pilastras que passam a dividir, na vertical, as
fachadas coloniais dos antigos edifícios, sem a presença de qualquer elemento
decorativo ou em relevo. A utilização da cal nas fachadas, passa a ser
substituída pela utilização de cores suaves, como o amarelo, o rosa, e o azul
claro (Coelho, 2000, p. 53).
Em Ipameri, a partir de 1920, e até meados da década de 1930, uma
infinidade de projetos arquitetônicos para edifícios residenciais vai ser
desenvolvidos, apresentando um interessante repertório decorativo próprio da
arquitetura eclética. Dentre eles, sobressaem-se as residências de Ataliba
Bernardino, Olyntho Ribeiro, Albano Carvalho e Hormisdas de Carvalho.Para os
edifícios comerciais, destacam-se os projetos desenvolvidos para Domingos
Gomes, José Maltez, Bevinhati Salgado e Elias Miguel.
A residência de Hormisdas de Carvalho
em Ipameri
O edifício residencial projetado, em 1924, por Waldemar Leone Ceva para o
Sr. Hormisdas de Carvalho
Projeto de Waldemar Leone Ceva para o Sr. Hormisdas de Carvalho
Apresenta todas as características
de modernidade próprios do período, na região da estrada de ferro, em especial,
na cidade de Ipameri.
Apresenta, como todos os edifícios dessa época, a cobertura, utilizando
telha francesa, parcialmente escondida por uma platibanda decorada, dividida,
como a fachada, em duas partes, apresentando cada uma delas, um desenho,
definição de linhas e acabamento diferenciados. A parte da fachada
correspondente ao escritório, se apresenta de certa forma mais sóbria que a
outra, utilizando linhas retas no acabamento, o que é quebrado apenas pela
forma circular que envolve a janela e os detalhes art nouveau da mesma. A parte
correspondente à sala de visitas diferencia-se pelo excesso decorativo que vai
da platibanda, na parte mais alta à janela gradeada do porão, que aparece aí em
meio arco, contrastando com a forma retangular daquela correspondente ao
escritório.
Aqui, já não aparece mais a porta de acesso, abrindo-se diretamente para
a rua, mas para um jardim lateral, existindo como elemento intermediário, um
alpendre, também lateral, estruturado em ferro fundido, decorado, cujo piso é
revestido com ladrilho hidráulico.
A parte considerada nobre da residência, apresenta piso em madeira com
detalhes no contorno, o que é indicado no desenho do projeto. Já as áreas
correspondentes à cozinha, ao banheiro e despensa, por não apresentarem
indicação do material a ser utilizado, levam à conclusão de que seria aí
utilizado o cimento queimado simples.
Apesar de ainda se encontrar implantada no limite frontal do terreno, são
largos os afastamentos laterais, sendo um deles, como já foi dito, utilizado
para a implantação de um jardim, separado da via pública por uma pequena mureta
com grade, o que facilita sua visualização por quem passa pela rua. O outro,
fechado por muro alto, apresenta um portão largo, de madeira, utilizado
provavelmente para acesso de serviço.
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