terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ARQUITETURA EM GOIÁS I



A ARQUITETURA EM GOIÁS E SUAS PRIMEIRAS INFLUÊNCIAS

            A história da ocupação territorial no Brasil tem na arquitetura rural desenvolvida nos três primeiros séculos, um dos principais fatores de integração e desenvolvimento, servindo de base para a evolução de uma arquitetura urbana de características  próprias, além de apoiar tanto o estudo quanto o conhecimento de toda a organização não só espacial por que passou o colonizador português em território americano, como também em todos os aspectos da formação da nacionalidade brasileira.
A arquitetura de caráter rural implantada pelo colonizador no decorrer do período colonial apresenta dois momentos principais de desenvolvimento, representados, o primeiro no nordeste, pela casa grande dos engenhos de açúcar, da Capitania de Pernambuco, e o segundo, bem mais ao sul, mais precisamente na Capitania de São Vicente – atual estado de São Paulo – pela chamada “casa bandeirista”, que como aquela, se reveste de considerável importância histórica, ao representar um momento de grande relevância para o nosso desenvolvimento.
Casa do Pe. Inácio em Cotia-SP, exemplo de Casa Bandeirista.
Para uma maior compreensão do processo de ocupação do território goiano, no período representado pelos séculos XVIII e XIX, vai ser de real interesse, apenas o segundo modelo construtivo, já que é a arquitetura que melhor pode representar o ponto de partida utilizado pelos bandeirantes que, saindo de seu território de domínio, no interior paulista, vieram desbravar e ocupar as regiões produtoras de metais preciosos de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Elaborados inicialmente, com o uso da taipa-de-pilão, esses edifícios apresentam a organização espacial interna como um reflexo da forma como seu construtor e usuário se organiza, a partir de certas determinantes culturais que vão demonstrar a clara evolução de uma série de fenômenos que se processavam, estruturando a própria sociedade bandeirista.[1]
Tais determinantes vão marcar não só a arquitetura produzida em território paulista, como também aquela desenvolvida nas principais áreas sob sua influência, notadamente as regiões mineradoras descobertas a partir dos momentos finais do século XVII.

Forma de organização interna da Casa Bandeirista

A divisão do espaço interno dessas edificações em faixas e a existência de uma sala de convivência familiar demonstram bem a forma como as determinantes sócio-culturais aí se estabelecem, com a hierarquização do trabalho doméstico e a segregação da mulher em relação ao contato com visitantes e desconhecidos, principalmente aqueles do sexo masculino. A análise de tais edifícios deixa, no entanto, uma certa preocupação ao se constatar a ausência de espaço destinado às atividades de cozinha e serviços correlatos, o que não encontra similar em nenhum outro modelo.
Uma constante característica desse tipo de edifício rural, foi a escolha do

local onde se assentava a residência e o próprio modo de agenciá-la num determinado terreno. Em primeiro lugar, sempre se dava preferência a um ponto situado a meia encosta da paisagem (Saia, 1978, p. 67).

estando invariavelmente voltado para o norte e próximo a um curso d’água.
Temos, portanto que, ainda segundo Luis Saia (1978, p. 130-131), o modelo característico da arquitetura paulista dos primeiros séculos se apresenta instalada invariavelmente dentro de um

retângulo, com paredes de taipa-de-pilão, telhado de quatro águas e cobertura com telha de canal. Prefere sempre uma plataforma natural ou artificial, à meia encosta, nas proximidades de um riacho. A planta se desenvolve segundo um esquema preciso: uma faixa social, fronteira, contém a capela e o quarto de hóspedes e, no meio, o alpendre; atrás dessa faixa e em correspondência com as divisões dela, em torno de uma faixa central os quartos se dispõem lateralmente. Às vezes, no fundo, comparece um agenciamento de serviço, dando acesso ao pavimento superior.

Considera-se, no caso, como pavimento superior, o aproveitamento do pé-direito relativo aos quartos, entre o forro e o telhado, utilizado geralmente para o armazenamento de cereais.
É fácil perceber, ao se observar a planta do conjunto de edifícios remanescentes desse modelo, encontrado ainda hoje em território paulista, a grande semelhança em sua estrutura construtiva, demonstrando um número irrisório de diferenças, não aparecendo aí nada que seja realmente de grande consideração. De acordo com Lemos (1999, p. 21),

um fato é certo: por mais de duzentos e cinqüenta anos a planta e mesmo o partido arquitetônico da casa roceira colonial paulista da bacia do Tietê não tiveram alterações significativas, o que indica não ter havido mudanças no modo de morar, isto é, não terem ocorrido variações no programa de necessidades, o que indica, antes de tudo, uma estabilidade social em que as expectativas de ordem cultural mantiveram-se plenamente satisfeitas e imutáveis. Por duzentos e cinqüenta anos uma sociedade segregada serra acima usando a mesma casa. Mesma casa e mesma técnica construtiva.

Das determinantes culturais, a segregação familiar e o acolhimento cordial, das técnicas construtivas, a taipa-de-pilão, definindo a argila como material de fundamental importância.


A INTERIORIZAÇÃO DA ARQUITETURA

Com a descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, nos anos finais do século XVII, houve uma verdadeira corrida de considerável número de aventureiros aos locais onde o metal era encontrado, podendo ser identificados mineradores vindos não só das mais diversas regiões da colônia, como também da metrópole. Ao passar por essa região, já iniciado o século XVIII, diz o padre Antonil (1982, p. 167) que a

cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não tem do Brasil convento nem casa.

Esse afluxo populacional vai provocar o surgimento de uma infinidade de núcleos urbanos, muitos deles de duração efêmera, já que a maioria existiu enquanto o ouro era conquistado em quantidades compensadoras. Nesse momento, a vida na colônia, de feições puramente rurais, passa radicalmente a urbana, provocando alterações profundas na forma de organização e do relacionamento entre a população da colônia.
A implantação desses novos núcleos provocou a necessidade de se repensar o modelo, as técnicas e os materiais construtivos utilizados pelos paulistas, baseada principalmente em duas questões fundamentais: a primeira estaria relacionada ao fato de ser a experiência paulista com a construção quase que restrita à arquitetura rural, sendo o novo momento construtivo representado pela produção urbana, onde necessidades antes relevadas começam a se colocar como fundamentais na determinação de um novo programa. Outra questão de fundamental importância estaria relacionada aos custos e ao tempo empregado na construção, dentro dos moldes característicos da arquitetura paulista.
É então abandonada a taipa-de-pilão, como método construtivo básico, passando as novas edificações a serem elaboradas em decorrência de novas influências portuguesas, com a utilização agora, de uma estrutura autônoma de madeira[2], formando gaiolas, com as paredes, de adobe ou pau-a-pique servindo basicamente como elemento de vedação.
Também, nesse novo modelo, é clara a divisão do edifício em faixas – como ocorre na casa bandeirista – mesmo que a distribuição e uso dos ambientes ocorra de forma diferenciada. Percebe-se agora, o aparecimento de novos compartimentos e, compondo a faixa de serviços, o uso de espaço destinado à cozinha, além de um depósito para alimentos, mesmo que se apresentando de forma um tanto segregada, implantada, em um bloco anexo, que, definitivamente, não compõe o volume nobre da edificação.
Plantas das casas denominadas "meia morada" e "morada inteira"

Equivalente à sala íntima da casa bandeirista, tanto em localização quanto em uso, é possível perceber nessa nova casa urbana, de acordo com Lemos (1993, p. 103) a

grande sala familiar, na varanda, também chamada sala de jantar. A sala-praça, passagem obrigatória entre a rua e a cozinha ou o quintal. A sala onde desembocava o corredor vindo da rua, por onde transitava a criadagem, carregando os potes de água, a lenha dos fogões, os mantimentos, os animais domésticos. Sala onde a família ficava reunida, nas horas de lazer e nos momentos de trabalho caseiro. Sala íntima, antes de tudo, local de acesso às alcovas escuras e, portanto, local de passagem obrigatória dos urinóis pejados dos excretos noturnos.

Vale a pena observar que, no geral, a escassez de terreno urbano para ser ocupado por essa nova população urbana, contribui também para que os lotes sejam definidos com dimensões reduzidas em suas testadas. Isso vai, juntamente com uma série de determinações oficiais, promover uma certa padronização no número de aberturas, na altura dos edifícios e principalmente no alinhamento em relação às vias públicas. Tais questões, de acordo com Reis Filho (1976, p. 24)

revelam uma preocupação de caráter formal, cuja finalidade era, em grande parte, garantir para as vilas e cidades brasileiras uma aparência portuguesa. As repetições não ficavam porém somente nas fachadas. Pelo contrário, mostrando que os padrões oficiais apenas vinham completar uma tendência espontânea, as plantas, deixadas ao gosto dos proprietários, apresentavam sempre uma surpreendente monotonia.

Tais padronizações faziam com que, para um melhor aproveitamento dos espaços, as casas fossem construídas parede-meia, o que, por sua vez faz com que as aberturas para ventilação e iluminação fiquem restritas ao sentido longitudinal da edificação. A união das características impressas nesses modelos de habitação, a casa bandeirista e a casa urbana do período minerador vai determinar em grande parte a forma como se apresenta a arquitetura rural goiana. Isso é claro, a partir de uma visão ainda não aprofundada, considerando que para uma afirmação conclusiva, inúmeros são os aspectos que ainda serão necessários avaliar.
Grosso modo podemos perceber espaços que sob certa ótica representam adaptações a novas necessidades, em relação aos usos encontrados nos modelos anteriores.
No novo edifício, a sala pode facilmente ser entendida como uma adaptação do alpendre bandeirista, assim como o primeiro quarto como sendo o quarto de hóspedes daquela. A capela, terceiro elemento de composição da faixa fronteira da casa paulista é então eliminada do edifício, ficando agora no arraial, que, segundo Suzy de Mello (1985, p. 225) está invariavelmente muito próximo, o que, em hipótese alguma vem justificar a instalação de um espaço destinado a atividades religiosas dentro de uma propriedade rural que não se encontra mais tão distante do núcleo urbano.
A sala maior situada na faixa íntima apresenta o mesmo uso já encontrado no salão central da casa paulista, assim como na varanda da casa urbana, e a cozinha, apesar de já haver conquistado grau de importância, encontra-se ainda instalada, de forma até certo ponto segregada, em relação ao volume total do edifício, na parte posterior e com o piso em nível mais baixo que o daquele.
A terceira faixa, seguindo a organização bandeirista, acontece de forma diferente. Enquanto, no primeiro caso, está representada pelo conjunto de alpendre de serviço e depósitos, nos outros dois modelos – casa urbana e rural da região mineradora – engloba a cozinha e o depósito de mantimentos (a despensa) que posteriormente tem sua área dividida para dar lugar à instalação de um banheiro.



[1] Tanto os estudos de Luis Saia, quanto os de Carlos Lemos consideram que a forte estruturação sócio-cultural do habitante do planalto de Piratininga determinam de forma plena e incontestável, a organização da “casa bandeirista”, não só na rígida estruturação e distribuição interna, como também na seleção e uso de materiais e técnicas construtivas.
[2] Técnica conhecida pelo nome de FRONTAL, que em outras regiões da colônia estava vinculada quase que exclusivamente ao uso do pau-a-pique, mas que em Goiás, sempre esteve relacionado principalmente à utilização do adobe, como elemento de vedação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário