A AGROPECUÁRIA E A DETERMINAÇÃO DE
NOVOS ESPAÇOS
O fim da mineração, como base econômica da capitania de Goiás, provocou
sérias modificações, tanto na forma de organização e reestruturação das cidades
aí existentes, quanto na maneira como foram estabelecidos os novos núcleos. E,
em quaisquer desses centros urbanos, as edificações residenciais passaram a se
apresentar, objetivando atender aos novos programas impostos pelas modificações
que a sociedade começava a sofrer.
Não eram mais a irregularidade e a rápida ocupação de terrenos ao longo
dos rios e estradas que determinavam o surgimento das cidades, mas uma outra
forma de estruturação, tendo por base a doação de terras para a igreja ou para
um determinado santo – os chamados Patrimônios – e a necessidade da população
de se aglomerar, agora de forma mais organizada, junto a locais que pudessem
favorecer o desenvolvimento de um comércio, mesmo que insipiente, baseado agora
na agropecuária que, mesmo não visando um amplo comércio externo, como
acontecia com outras regiões, era praticamente a única base econômica existente.
Assim, após o período de esgotamento da economia da mineração, a
população de Goiás, em busca de novas atividades econômicas ou mesmo procurando
formas diferenciadas de sobrevivência, praticamente se dispersou pelo campo,
provocando um quase desaparecimento da vida urbana. O lento estabelecimento de
uma nova forma de economia provocou, assim, a recuperação de alguns dos antigos
núcleos mineradores que, de um modo geral, conseguiram sobreviver a esse êxodo.
No geral, esses núcleos sempre representaram pontos de referência para a
população estabelecida no campo, principalmente no que se refere a questões
como religião, convivência social e comércio, sendo este último tanto para
compra de ferramentas e gêneros importados como para a colocação de sua pequena
produção ou mesmo como ponto de armazenamento, para posterior embarque do
produto de exportação.
Alguns dos antigos núcleos remanescentes do período minerador, dentre
eles Santa Luzia, Bonfim, Meia Ponte e mesmo Santa Cruz, experimentaram um novo
surto de crescimento, relegando por completo a atividade mineradora e dando
incentivo à agropecuária, como nova forma de desenvolvimento econômico.
Por outro lado, os núcleos, surgidos principalmente a partir da segunda
década do século XIX, como Ipameri, Corumbaíba, Caldas Novas, Rio Verde e mesmo
Bela Vista, começaram a ser implantados – como já foi visto – em decorrência da
doação de terras, por parte de fazendeiros, para a formação do patrimônio de um
santo, ou mesmo da igreja. Esse modelo de organização urbana, em torno de uma
capela, construída através de doação, foi, a partir de então, até as primeiras
décadas do século XX, a forma mais comum de surgimento de cidades em Goiás (Coelho, 1997, p.46-47).
Implantados, em regiões de terra fértil, esses núcleos, cercados por inúmeras
propriedades rurais, foram, em fins do século XIX e começo do XX, a base de
sustentação da economia goiana.
No que se refere à estruturação dos novos centros, as populações começam
a se estabelecer, agora, em torno de um ponto central, a praça da igreja, de
onde partem as ruas, que são, a partir desse momento, em sua maioria, de melhor
regularidade, com cruzamentos perpendiculares, mais largas e melhor
estruturadas, o que, de certa forma, facilita o trânsito de veículos de tração
animal como carroças e carros de bois, base do transporte dos novos produtos.
Com relação às edificações, ao longo de todo o século XIX, não serão
observadas alterações, na forma de se construir, ou mesmo no que se refere à
seleção e escolha de materiais para a elaboração dos edifícios. Questão
fundamental vai ser a forma como o edifício se relaciona com o terreno e mesmo
com o espaço urbano. Convém observar que
durante
o século XIX, com a agropecuária, a necessidade de se limitar a testada dos
lotes deixa de existir, o que vai provocar modificações até mesmo no que se
refere à implantação de edifícios em relação às divisas. Continuam a ser
construídas casas sobre os limites laterais do terreno, mas isso não é mais
regra geral (Coelho, 1997, p. 47).
A partir de então, os novos programas promovem o aparecimento de
edificações residenciais mais amplas, utilizando cada vez mais os afastamentos
laterais. Com isso, começam a desaparecer, nessas novas edificações, a figura
da alcova – quartos sem aberturas para o exterior – já que a forma como o
edifício passa a se relacionar com o terreno permite a ventilação e iluminação
de todos os cômodos da residência.
O estabelecimento de novas necessidades vem provocar também o
aparecimento de novas formas de organização interna do edifício, relacionando a
residência urbana com a atividade agropastoril de seu proprietário (Coelho, 1997, p. 48). Começa
a aparecer os acessos laterais que, de certa forma alteram a relação entre o
público e o privado, promovendo o surgimento de jardins, como espaço de
transição entre a rua e o interior dos edifícios.
Entretanto, mesmo que uma série de alterações comecem a se processar, em
decorrência principalmente desses novos programas e das novas necessidades
surgidas, em decorrência das radicais modificações ocorridas na economia, é bom
observar que as bases culturais da população pouco vai se alterar, sendo a
organização interna dos edifícios, no que se relaciona às influências dessa
mesma estruturação cultural, pouco modificada. A divisão interna das
residências em setores preestabelecidos continua a acontecer, reproduzindo o
que se percebe, na casa brasileira, desde os tempos iniciais da ocupação e
colonização. É, ainda nesses edifícios, clara a divisão e separação das áreas
íntima, social e de serviço, repetindo o tradicional isolamento da família em
relação a qualquer visitante estranho ao dia-a-dia dos moradores.
O que se pode observar é a incorporação de uma série de novos
compartimentos que de certa forma trazem para o dia-a-dia das famílias, as
novas atividades econômicas desenvolvidas agora em toda a região.
Residência
representativa da agropecuária em Goiás
Como edifício representativo da arquitetura produzida no estado de Goiás,
durante o século XIX, em decorrência da economia agropecuária, podemos ver, na
cidade de Bela Vista, a residência conhecida como “Casa do Senador Canedo”.
A casa do Senador Canedo, em Bela Vista-GO.
É uma residência que apresenta, apesar das inovações impostas pela
economia agropastoril, as mesmas técnicas construtivas e seleção de materiais
comuns aos edifícios implantados no estado, no decorrer século XVIII, como
conseqüência da economia mineradora. Apresentando estrutura autônoma de madeira
aparente, possui paredes elaboradas em adobe, utilizando ainda a cobertura em
telhas capa e bica de beiral simples apoiado em cachorros de madeira sem
decoração.
Ainda representando as influências do século anterior, podemos ver as
paredes de suas fachadas sendo utilizadas como limite da via pública, mesmo que
o edifício já tenha sido implantado de forma diferenciada de seus predecessores
setecentistas. No caso específico desse edifício, o acesso é ainda feito
diretamente sobre a via pública, mesmo que o acesso lateral já seja, por essa
época, de grande aceitação nas cidades goianas.
Os vãos, tanto de portas quanto de janelas, são elaborados com
enquadramento de madeira; a vedação das janelas é feita em postigo sobreposto,
com a parte externa elaborada em guilhotina de caixilho de vidro, apresentando
ainda a folha interna cega, com duas folhas montadas em calha. As portas, todas
montadas em calha, são, assim como as janelas, os únicos elementos da fachada
do edifício a receber cor, já que as paredes são todas caiadas de branco, como
se fazia tradicionalmente nos núcleos urbanos mais antigos.
A cobertura elaborada, em telha canal, apóia-se também em estrutura de
madeira travada em pontaletes que sustentam e definem a orientação das cargas
rumo à estrutura básica do edifício.
Planta da casa do Senador Canedo, em Bela Vista.
A casa mantém atualmente 17 dos 21 cômodos originais, número
definido principalmente em função da relação existente entre o uso do edifício
não só como residência, mas também como espaço de serviço e depósito
intermediário entre a atividade rural própria da época e o local de consumo do
produto resultante dessa atividade, que era a própria cidade. Entre esses,
encontram-se um salão que já foi utilizado como comércio, escola e sede de um
jornal. Nos fundos, um quarto de doces e um de queijo, demonstram a relação
direta existente entre o edifício e a economia agropecuária da época.
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