sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

arquitetura em Goiás III

A AGROPECUÁRIA E A DETERMINAÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS

O fim da mineração, como base econômica da capitania de Goiás, provocou sérias modificações, tanto na forma de organização e reestruturação das cidades aí existentes, quanto na maneira como foram estabelecidos os novos núcleos. E, em quaisquer desses centros urbanos, as edificações residenciais passaram a se apresentar, objetivando atender aos novos programas impostos pelas modificações que a sociedade começava a sofrer.
Não eram mais a irregularidade e a rápida ocupação de terrenos ao longo dos rios e estradas que determinavam o surgimento das cidades, mas uma outra forma de estruturação, tendo por base a doação de terras para a igreja ou para um determinado santo – os chamados Patrimônios – e a necessidade da população de se aglomerar, agora de forma mais organizada, junto a locais que pudessem favorecer o desenvolvimento de um comércio, mesmo que insipiente, baseado agora na agropecuária que, mesmo não visando um amplo comércio externo, como acontecia com outras regiões, era praticamente a única base econômica existente.
Assim, após o período de esgotamento da economia da mineração, a população de Goiás, em busca de novas atividades econômicas ou mesmo procurando formas diferenciadas de sobrevivência, praticamente se dispersou pelo campo, provocando um quase desaparecimento da vida urbana. O lento estabelecimento de uma nova forma de economia provocou, assim, a recuperação de alguns dos antigos núcleos mineradores que, de um modo geral, conseguiram sobreviver a esse êxodo. No geral, esses núcleos sempre representaram pontos de referência para a população estabelecida no campo, principalmente no que se refere a questões como religião, convivência social e comércio, sendo este último tanto para compra de ferramentas e gêneros importados como para a colocação de sua pequena produção ou mesmo como ponto de armazenamento, para posterior embarque do produto de exportação.
Alguns dos antigos núcleos remanescentes do período minerador, dentre eles Santa Luzia, Bonfim, Meia Ponte e mesmo Santa Cruz, experimentaram um novo surto de crescimento, relegando por completo a atividade mineradora e dando incentivo à agropecuária, como nova forma de desenvolvimento econômico.
Por outro lado, os núcleos, surgidos principalmente a partir da segunda década do século XIX, como Ipameri, Corumbaíba, Caldas Novas, Rio Verde e mesmo Bela Vista, começaram a ser implantados – como já foi visto – em decorrência da doação de terras, por parte de fazendeiros, para a formação do patrimônio de um santo, ou mesmo da igreja. Esse modelo de organização urbana, em torno de uma capela, construída através de doação, foi, a partir de então, até as primeiras décadas do século XX, a forma mais comum de surgimento de cidades em Goiás (Coelho, 1997, p.46-47). Implantados, em regiões de terra fértil, esses núcleos, cercados por inúmeras propriedades rurais, foram, em fins do século XIX e começo do XX, a base de sustentação da economia goiana.
No que se refere à estruturação dos novos centros, as populações começam a se estabelecer, agora, em torno de um ponto central, a praça da igreja, de onde partem as ruas, que são, a partir desse momento, em sua maioria, de melhor regularidade, com cruzamentos perpendiculares, mais largas e melhor estruturadas, o que, de certa forma, facilita o trânsito de veículos de tração animal como carroças e carros de bois, base do transporte dos novos produtos.
Com relação às edificações, ao longo de todo o século XIX, não serão observadas alterações, na forma de se construir, ou mesmo no que se refere à seleção e escolha de materiais para a elaboração dos edifícios. Questão fundamental vai ser a forma como o edifício se relaciona com o terreno e mesmo com o espaço urbano. Convém observar que

durante o século XIX, com a agropecuária, a necessidade de se limitar a testada dos lotes deixa de existir, o que vai provocar modificações até mesmo no que se refere à implantação de edifícios em relação às divisas. Continuam a ser construídas casas sobre os limites laterais do terreno, mas isso não é mais regra geral (Coelho, 1997, p. 47).

A partir de então, os novos programas promovem o aparecimento de edificações residenciais mais amplas, utilizando cada vez mais os afastamentos laterais. Com isso, começam a desaparecer, nessas novas edificações, a figura da alcova – quartos sem aberturas para o exterior – já que a forma como o edifício passa a se relacionar com o terreno permite a ventilação e iluminação de todos os cômodos da residência.
O estabelecimento de novas necessidades vem provocar também o aparecimento de novas formas de organização interna do edifício, relacionando a residência urbana com a atividade agropastoril de seu proprietário (Coelho, 1997, p. 48). Começa a aparecer os acessos laterais que, de certa forma alteram a relação entre o público e o privado, promovendo o surgimento de jardins, como espaço de transição entre a rua e o interior dos edifícios.
Entretanto, mesmo que uma série de alterações comecem a se processar, em decorrência principalmente desses novos programas e das novas necessidades surgidas, em decorrência das radicais modificações ocorridas na economia, é bom observar que as bases culturais da população pouco vai se alterar, sendo a organização interna dos edifícios, no que se relaciona às influências dessa mesma estruturação cultural, pouco modificada. A divisão interna das residências em setores preestabelecidos continua a acontecer, reproduzindo o que se percebe, na casa brasileira, desde os tempos iniciais da ocupação e colonização. É, ainda nesses edifícios, clara a divisão e separação das áreas íntima, social e de serviço, repetindo o tradicional isolamento da família em relação a qualquer visitante estranho ao dia-a-dia dos moradores.
O que se pode observar é a incorporação de uma série de novos compartimentos que de certa forma trazem para o dia-a-dia das famílias, as novas atividades econômicas desenvolvidas agora em toda a região. 

Residência representativa da agropecuária em Goiás

Como edifício representativo da arquitetura produzida no estado de Goiás, durante o século XIX, em decorrência da economia agropecuária, podemos ver, na cidade de Bela Vista, a residência conhecida como “Casa do Senador Canedo”.
A casa do Senador Canedo, em Bela Vista-GO.
É uma residência que apresenta, apesar das inovações impostas pela economia agropastoril, as mesmas técnicas construtivas e seleção de materiais comuns aos edifícios implantados no estado, no decorrer século XVIII, como conseqüência da economia mineradora. Apresentando estrutura autônoma de madeira aparente, possui paredes elaboradas em adobe, utilizando ainda a cobertura em telhas capa e bica de beiral simples apoiado em cachorros de madeira sem decoração.
Ainda representando as influências do século anterior, podemos ver as paredes de suas fachadas sendo utilizadas como limite da via pública, mesmo que o edifício já tenha sido implantado de forma diferenciada de seus predecessores setecentistas. No caso específico desse edifício, o acesso é ainda feito diretamente sobre a via pública, mesmo que o acesso lateral já seja, por essa época, de grande aceitação nas cidades goianas.
Os vãos, tanto de portas quanto de janelas, são elaborados com enquadramento de madeira; a vedação das janelas é feita em postigo sobreposto, com a parte externa elaborada em guilhotina de caixilho de vidro, apresentando ainda a folha interna cega, com duas folhas montadas em calha. As portas, todas montadas em calha, são, assim como as janelas, os únicos elementos da fachada do edifício a receber cor, já que as paredes são todas caiadas de branco, como se fazia tradicionalmente nos núcleos urbanos mais antigos.
A cobertura elaborada, em telha canal, apóia-se também em estrutura de madeira travada em pontaletes que sustentam e definem a orientação das cargas rumo à estrutura básica do edifício.
Planta da casa do Senador Canedo, em Bela Vista.

A casa mantém atualmente 17 dos 21 cômodos originais, número definido principalmente em função da relação existente entre o uso do edifício não só como residência, mas também como espaço de serviço e depósito intermediário entre a atividade rural própria da época e o local de consumo do produto resultante dessa atividade, que era a própria cidade. Entre esses, encontram-se um salão que já foi utilizado como comércio, escola e sede de um jornal. Nos fundos, um quarto de doces e um de queijo, demonstram a relação direta existente entre o edifício e a economia agropecuária da época.

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