forro apainelado octogonal da igreja de N. S. da Boa Morte
Com a colonização do Brasil levada a cabo pelos
portugueses, a arquitetura implantada em nosso território se apresenta, em
certos momentos, extremamente defasada, em relação ao que acontece em
território português, desenvolvendo-se sempre com um certo atraso no que se
refere aos modismos e mesmo aos períodos históricos por que passa a arquitetura
portuguesa em sua porção européia.
Entretanto, em outros momentos apresentava um desenvolvimento que
ocorria quase que simultaneamente ao que se estava desenvolvendo na metrópole.
Exemplo desse paralelismo são os edifícios religiosos de planta octogonal
construídos em território brasileiro que se desenvolvem praticamente ao mesmo
tempo em que vão sendo desenvolvidos os edifícios religiosos de planta
poligonal também em Portugal, se bem que ocorrendo no Brasil em número
extremamente reduzido.
Segundo Pais da Silva (1993,
p.137), mesmo que
seja relativamente raro encontrar no Brasil, igrejas com o emprego de naves
poligonais, é, no entanto freqüente o emprego de altares colocados junto ao
arco cruzeiro, dispostos diagonalmente, quebrando assim a organização dos
ângulos retos, o que faz com que um simples detalhe construtivo leve o
observador à sensação visual de estar em um edifício de planta poligonal.
Tal situação, que é também encontrada em Portugal,
talvez com a mesma freqüência, tem aqui, como exemplo, as igrejas da Conceição
da Praia, na cidade de Salvador, na Bahia, e a igreja do convento de São
Francisco, em Olinda, Pernambuco, e, apesar de darem a impressão de possuírem
planta octogonal, essa figura se apresenta de tal forma irregular que mais
representa um retângulo de ângulos cortados, não existindo relação de harmonia
entre as medidas dos seus oito lados.
De acordo com os estudos de Paulo Santos (1981, p.26),
a arquitetura desenvolvida em Lisboa é, no século XVIII, o elemento maior de
influência e orientação, principalmente para a arquitetura religiosa em
construção na cidade do Rio de Janeiro. Dois edifícios se destacam aí nesse
período, por possuírem plantas não regular, que são as de Nossa Senhora da
Glória, considerada por esse autor como sendo a jóia do século, construída em 1.730, e a de São Pedro dos Clérigos,
de 1.733.
A igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro tem
sua nave de traçado octogonal percebida tanto pelo interior quanto pelo
exterior, sendo a única na região sul do país a apresentar tal característica,
abandonando por completo as formas retangulares, inclusive na capela-mor e na
sacristia, formando sua planta um oito, desenvolvido em linhas retas, pela
união de dois octógonos irregulares, um na nave e outro englobando os restantes
compartimentos da edificação.
Igreja de N. S. da Glória no
Rio de Janeiro
São Pedro dos Clérigos, demolida em 1.924 em
decorrência do alargamento da avenida Presidente Vargas, possuía seu corpo
desenvolvido em linhas mais curvas, arredondadas, característica que se
apresentava também em sua fachada.
Fachada da igreja de S. Pedro
dos Clérigos do Rio de Janeiro
Construídas praticamente no mesmo período, têm essas
duas igrejas seus projetos atribuídos ao Cel. José Cardoso Ramalho. Paulo
Santos (1981, p.27), se não coloca dúvidas, pelo
menos sugere reservas quanto à aceitação de tal informação. Segundo esse autor,
na igreja da
Glória a originalidade
da planta não apaga a rigidez dos traçados retilíneos, a contenção de
propósitos e o peso da construção (espessura das paredes); na de São Pedro o
traçado amolece nas formas polilobadas dos nichos laterais e do pórtico, e a
maneira por que entre uns e outros se inserem as elaboradas torres (em que o
círculo e o quadrado se entrecortam), revelam virtuosismo amaneirado, ou seja:
projetista de temperamento diverso do da outra igreja.
O
exemplar encontrado no nordeste que melhor representa o modelo em estudo, a
igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife, tem data de construção praticamente
do mesmo período das duas construídas no Rio de Janeiro, sendo todas elas
contemporâneas à de São Pedro dos Clérigos da cidade portuguesa do Porto.
Esse edifício pernambucano apresenta a fachada
dentro do esquema mais tradicional desse tipo de edificação, que é aquela com
características maneiristas e duas torres laterais.
Igreja do Mosteiro da Luz em
São Paulo
No estado de São Paulo, também duas edificações
religiosas apresentam-se com esse tipo de planta, que são as igrejas de Nossa
Senhora da Luz e a capela da Ordem Terceira de São Francisco. Essas duas construções
têm suas histórias ligadas ao nome do religioso franciscano, de formação
jesuíta, frei Antônio de Santana Galvão, responsável por uma série de obras
realizadas nos dois edifícios, sendo que a mais importante foi a mudança do
eixo principal da igreja da Ordem Terceira que, de acordo com Benedito Lima de
Toledo (1986, p.132), ficou praticamente
imperceptível, provavelmente por se tratar de um edifício cuja planta da nave
se apresenta como um octógono, o que não aconteceria, se o desenho fosse
baseado no retângulo, que era a característica geral dos edifícios religiosos
da época.
As principais construções religiosas da região do
ouro, em Minas Gerais, demonstraram em seu apuro, um minucioso trabalho de
estudo e evolução proveniente dessas construções de planta octogonal.
Uma das mais interessantes, e provavelmente a mais
simples de todas, é sem dúvida a de São José de Minas Novas, na região de
Diamantina, que, de acordo com os estudos de Sylvio de Vasconcellos (1959, p.30),
tem sua planta octogonal baseada em uma construção francesa dos Templários, do
século XIII.
Igreja de São José de Minas Novas
A arquitetura desenvolvida pelo barroco mineiro,
principalmente a de características religiosas, alcançou uma evolução não
conseguida em nenhuma outra parte do território português, quer metropolitano,
quer colonial. Exemplos maiores desses edifícios nessa região são as igrejas de
São Pedro dos Clérigos, de Mariana, construída em 1.760, e a de Nossa Senhora
do Rosário de Ouro Preto, provavelmente de 1.785 que, segundo Suzy de Mello,
teriam sido inspiradas nas de Nossa Senhora da Glória, do Rio de Janeiro, e São
Pedro dos Clérigos, da cidade do Porto, em Portugal.
Tal inspiração, principalmente no caso da igreja de
Nossa Senhora da Glória, fica bem caracterizada pela proximidade das formas, em
que o oito de linhas retas da planta
da igreja carioca é substituído por outro de linhas curvas, nas igrejas
mineiras, utilizando já, não a forma octogonal, mas a sua evolução para a
elipse.
Entretanto, em oposição ao que diz Suzy de Mello,
encontramos em Pais da Silva (1993, vol. II,
p.125) uma opinião
diferente, onde o autor não vê a planta de São Pedro dos Clérigos do Porto como
base ou inspiração para nenhuma outra, o que não ocorre, segundo esse autor,
com relação aos elementos decorativos aí encontrados.
De qualquer forma, sendo ou não inspiração para as
edificações mineiras, o fato é que tal igreja apresenta, com um grau menor de
apuro, a forma elíptica em sua nave (e somente aí), que como aquelas, é
facilmente detectado pelo exterior.
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