OS NOVOS CONCEITOS DE
MODERNIDADE
Ao mesmo tempo em que a arquitetura déco se desenvolvia em praticamente
todo o mundo, novos conceitos de modernidade se apresentavam, utilizando
propostas diferenciadas, além de se apoiarem em manifestos e documentos
teóricos, o que o art déco desconsiderava, em suas propostas modernizantes.
A velocidade com que os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e
culturais se sucediam no Brasil das primeiras décadas do século XX, provocava,
além de mudanças muito rápidas, um sério acirramento nas discussões, que, no
mais das vezes, levava a rupturas e engajamentos dos artistas e intelectuais em
uma série de linhas de pensamentos e posicionamentos teóricos. Em arquitetura,
o predomínio do grupo que defendia um caráter nacionalista, com base nos
conceitos ecléticos do neocolonial, provocava a crítica e a rebeldia daqueles
que procuravam linhas mais progressistas e menos acadêmicas, ou mesmo o que à
época era denominado “historicista”. Nesse grupo, estavam principalmente os
estudantes e os arquitetos mais jovens que viam nas discussões internacionais
uma possibilidade maior de modernização da arquitetura brasileira.
Em termos internacionais, a década de 1920 foi marcada pela realização,
em Atenas, na Grécia, do primeiro Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna – CIAM –, que de certa forma iniciou um grupo de arquitetos brasileiros
nos debates modernistas. Foi também o momento em que Le Corbusier, teve suas
idéias divulgadas na América do Sul, a partir de uma série de palestras e
debates levados a efeito no Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires. A partir
de tais contatos, Lúcio Costa, Carlos Leão, Cármen Portinho e Vital Brazil, no
Rio de Janeiro, assim como Gregori Warchavchik, Jayme da Silva Telles e Flávio
de Carvalho, em São Paulo, influenciados pelas palavras do grande teórico
franco-suíço, passaram a desenvolver e a defender sua linha de pensamento.
A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, trouxe para a arquitetura
brasileira a possibilidade de avanços significativos. A escolha de Gustavo
Capanema para o Ministério da Educação e Saúde trouxe para dentro da repartição
pública, os debates que já vinham ocorrendo já, há quase uma década, sobre as
questões modernistas, principalmente nas artes plásticas e na literatura.
Capanema cerca-se de nomes como Drumond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo
Mello Franco e Lúcio Costa, entre outros que, além de colocarem na prática as
idéias modernistas, definem uma outra linha de pesquisa para as questões
modernas, que é o estudo sistemático das coisas relacionadas com o nosso
passado, definindo os conceitos do que seria o patrimônio histórico, além de
uma legislação de proteção ao acervo cultural brasileiro.
Nesse momento, Mário de Andrade, atendendo a uma solicitação pessoal de
Capanema, elabora o texto do “Artigo 25”, sobre a proteção do patrimônio
histórico e artístico, e Lúcio Costa assume a direção da Escola Nacional de
Belas-Artes (ENBA). Já havendo participado do movimento neocolonial e inclusive
desenvolvido projetos com essa caracterização, Lúcio Costa, ao assumir a
direção da escola, estava em franco entusiasmo com os conceitos modernistas,
levando para aquela instituição de ensino, vários arquitetos vinculados ao novo
processo arquitetônico. Grandes vão ser as desavenças entre modernistas e
neocolonialistas dentro da escola, que culminam na demissão de Lúcio Costa, no
ano seguinte. De acordo com Lauro Cavalcanti (2001, p.14)
os “modernos”
são considerados “dignos” pelo estado de tornarem “digna”, em seu nome, a
produção que sofrerá uma operação de “sacralização” através da inscrição nos
Livros de Tombo e de uma legislação especial que impede o seu desaparecimento
ou descaracterização. Adquiriram, também, a prerrogativa de opinar em
construções no entorno de bens tombados. Na prática, tal função conferiu-lhes o
papel de planejadores não só das cidades históricas, como também da área
central da maior parte das capitais.
Os conceitos de modernidade e desenvolvimento, que passam a representar o
governo Vargas, determinam a implantação e o desenvolvimento no país, de duas
correntes distintas dentro do processo evolutivo da arquitetura brasileira. Não
havendo por essa época nada que as separasse, as tendências tanto do que hoje é
conhecido como “modernista” quanto como “art déco”, eram à época caracterizadas
pelo título de “arquitetura moderna”, em oposição radical aos conceitos da
arquitetura eclética. Revistas especializadas desse período apresentavam suas
diferenças como resultantes de suas origens, sendo o déco citado como tendência
francesa e o modernismo como tendência alemã. E, mesmo que a modernização da
arquitetura brasileira tenha passado pelo conhecimento e aprendizagem de tais
influências, de acordo com Segawa (1997, p. 112),
a arquitetura
moderna brasileira, mesmo informada de um conteúdo internacionalista,
corresponde a um esforço de transfiguração de concepções, adquirindo cores
próprias sem se apoiar numa tradição local imediata (eclética nas três
primeiras décadas do século 20), mas buscando no passado referências de
identidade – um desafio próprio daqueles que buscam a criação e a originalidade
inerentes à contemporaneidade, mesmo enfrentando e carregando as marcas das
incoerências políticas e sociais bem como o peso das divergências ideológicas
de um país à margem.
Assim, os conceitos e estudos desenvolvidos por grande parte dos
modernistas brasileiros, sobre a arquitetura do período colonial, vão levar a
uma produção de caráter eminentemente brasileiro, mesmo que as origens dessa
modernidade estejam na Europa ou mesmo nos Estados Unidos da América. Além do
mais, com seu caráter social e ético, consegue se sobrepor e abafar, em
definitivo, a arquitetura neocolonial, que, de certo modo, ainda tentava se
manter, disputando lugar com os modernistas.
Apesar de já contar com os projetos de Gregori Warchavchik, em São Paulo,
desde 1927, o edifício considerado marco inicial de desenvolvimento da
arquitetura moderna no Brasil, vai ser, sem sombra de dívida, a sede do
Ministério da Educação e Saúde, de 1936, na capital federal, que contou, para
seu desenvolvimento com a participação de vários arquitetos modernistas, como
Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani
Vasconcellos, além da consultoria do mestre Le Corbusier. Também considerado
como marco de referência da arquitetura moderna brasileira, principalmente para
a crítica internacional, vai ser o pavilhão brasileiro, na Feira Internacional
de Nova York, de 1939-1940, cujo projeto elaborado por Lúcio Costa em parceria
com Oscar Niemeyer, que, segundo Cavalcanti (2001, p.407),
proporcionaram uma leitura particularizada dos conceitos desenvolvidos por Le
Corbusier, demonstrando a relatividade do que se considerava como divisões
clássicas entre função organicismo e racionalidade, confirmando o modernismo
como a vanguarda do que já se elaborava em território brasileiro. A construção
de Brasília vem, assim, coroar esse desenvolvimento, passando a partir de então,
a arquitetura moderna brasileira a se orientar, em várias direções, com
características específicas próprias a cada uma delas.
A partir de então, algumas características vão marcar o desenvolvimento
desse modelo arquitetônico, determinando alguns grupos que se sobressaem em
diferentes regiões do país e que passam a ser considerados como escolas,
sobressaindo-se entre elas, a carioca, a paulista e a pernambucana ou do
Recife, principalmente. No Recife, o nome de maior destaque vai ser o de Luís
Nunes, formado no Rio de Janeiro, no período de efervescência das discussões
modernistas, tendo como estudante se destacado nos movimentos pela permanência
de Lúcio Costa, na direção da ENBA. Foi o primeiro arquiteto a desenvolver
projetos modernistas no nordeste, inovando no uso de materiais e nos conceitos
formulados no período em que esteve à frente da Diretoria de Arquitetura e
Construção de Pernambuco. Sua morte prematura, aos vinte e nove anos, se
por um lado encerrou o desenvolvimento de seus trabalhos, não foi, no entanto,
empecilho ao desenvolvimento do modernismo no nordeste, tendo continuidade
através de outros arquitetos incentivados pelo trabalho pioneiro de Nunes.
No caso paulista, a proximidade com o Rio de Janeiro e a participação nos
amplos debates e discussões em desenvolvimento, na capital federal, não se
apresentaram como impedimento a uma produção arquitetônica de características
próprias, evoluindo-se praticamente em paralelo àquela. Destaca-se, dentro da
chamada escola paulista, João Vilanova Artigas, seguido de perto por Paulo
Mendes da Rocha, entre outros. Formado pela Escola Politécnica de São Paulo,
Artigas teve seu trabalho caracterizado pela ousadia no uso do concreto, pelos
grandes vãos, além da preferência pela linha reta e ângulos nem sempre retos.
Na arquitetura paulista, o concreto se apresenta como um elemento
fundamentalmente plástico, sendo utilizado ao natural, e, em determinados
momentos seu uso tem sido rotulado como “brutalista” (Reis Filho, 1976, p.94).
Apesar de elaborarem projetos para praticamente todo o território
nacional, os arquitetos cariocas conseguiram desenvolver uma forma de trabalho
e um padrão arquitetônico que os diferenciou, ao mesmo tempo em os transformou
em referência e sinônimo de modernidade completa. E, sendo o modernismo um
movimento, calcado em conceitos e regras teóricas definidas, são, durante
várias décadas, os arquitetos cariocas os que se colocaram na vanguarda da
produção, não somente teórica, como crítica e conceitual, propondo, dentro da
produção modernista, a releitura e atualização de conceitos próprios da
arquitetura do período colonial de caráter vernacular.
A implantação do modernismo, na arquitetura brasileira, propiciou também
o desenvolvimento de uma ação integrada entre o edifício e o espaço público.
Comentando sobre a implantação de Brasília, diz Reis Filho (1976,
p.94) que, pela primeira vez, em nossa arquitetura foi possível
encontrar uma solução que resolvesse, de modo amplo e simultaneamente, tanto
problemas arquitetônicos quanto urbanísticos, permitindo com isso um aumento
nas probabilidades de sucesso em ambos os setores.
Em Goiânia, esse modelo de arquitetura passa a ter representatividade, em
princípios da década de 1950, com os projetos desenvolvidos por Eurico Godoy e
Elder Rocha Lima, dois arquitetos goianos recém formados no Rio de Janeiro e
fortemente influenciados pelo que se estava fazendo por essa época, naquela
cidade.
A arquitetura
modernista em Goiânia
A arquitetura de caráter modernista teve sua estréia, em Goiás, no ano de
1952 através do projeto de um edifício residencial desenvolvido por Eurico
Godoy, para Terezinha M. S. Bacelar, a ser construído, na esquina da Avenida 10
com a Rua 91, no Setor Central.
Esse projeto representou para a arquitetura desenvolvida à época, em
Goiânia, um coroamento no que se relaciona aos interesses modernizantes
pretendidos pelo fundador, trazendo para o estado, o movimento modernista, com
um atraso de praticamente trinta anos em relação ao que já acontecia nas outras
capitais do país.
Fachadas da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy
Além da importância decorrente do momento histórico de sua implantação na
cidade, esse projeto se apresenta com soluções extremamente simples,
O que
pode ser percebido na forma retangular utilizada e na organização espacial
tanto interna quanto externa, apenas que utilizando uma tradição ainda
desconhecida da população goianiense, no que diz respeito a essa organização.
Sendo assim, transforma o alpendre em uma varanda que ocupa toda a largura do
retângulo, abrindo o bloco do edifício com a profundidade provocada por esse
elemento, além de criar uma sensação de amplitude, com a utilização de panos de
vidro, integrando estar, varanda e o exterior da residência (Coelho, 1994, p.
4).
Percebe ainda, ao se analisar a planta desse edifício, uma certa
rigidez no que se refere à distribuição dos espaços, apesar de estar clara a
preocupação com um certo racionalismo em sua organização. A utilização de um
pequeno jardim de inverno – o que se constitui em uma das maiores inovações do
projeto – atua no edifício como um elemento de integração que amplia o espaço
da sala de estar, além de promover tanto a iluminação quanto a ventilação de
áreas internas e reduzir visualmente o corredor de distribuição.
Planta da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy
Com relação à volumetria do edifício, a primeira coisa que se pode
observar é o deslocamento do edifício em relação ao terreno, colocando a
varanda em balanço e, forçando o aparecimento de uma sinuosa rampa de acesso.
Elemento que se destaca em relação ao padrão residencial desenvolvido na cidade,
até então, é a fachada voltada para a Rua 91.
percebe-se
através dessa elevação, o caimento do telhado, em duas águas, com calha
central, convergindo para o jardim de inverno, que divide a edificação em dois
blocos trapezoidais. Dando continuidade ao movimento provocado por tais
elementos, temos no bloco que corresponde à área íntima, uma grande abertura
com esquadria que atende em uma única peça, tanto ao quarto quanto ao banheiro,
abrindo assim, quase que toda a largura da parede para o exterior (Coelho, 1994,
p. 4).
Quanto à utilização dos materiais construtivos, não houve, nesse
edifício, a adoção de nada que pudesse ser considerado inovador, dentro dos
padrões utilizados em Goiânia, até então. Apesar de já existirem esquadrias
metálicas, o que se tem aí, é a utilização de da madeira, com grandes vãos
envidraçados, sendo que, elaboradas em metal, apenas as portas que separam a
sala da varanda e do jardim de inverno. Os metais, luminárias e materiais de
acabamento são praticamente os mesmos encontrados nas demais residências do
centro da cidade. Convém observar que eram praticamente materiais importados de
outras regiões, já que não existiam em Goiânia, indústrias que atendessem a
tais necessidades.
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