quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Arquitetura em Goiás VI

OS NOVOS CONCEITOS DE MODERNIDADE

Ao mesmo tempo em que a arquitetura déco se desenvolvia em praticamente todo o mundo, novos conceitos de modernidade se apresentavam, utilizando propostas diferenciadas, além de se apoiarem em manifestos e documentos teóricos, o que o art déco desconsiderava, em suas propostas modernizantes.
A velocidade com que os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais se sucediam no Brasil das primeiras décadas do século XX, provocava, além de mudanças muito rápidas, um sério acirramento nas discussões, que, no mais das vezes, levava a rupturas e engajamentos dos artistas e intelectuais em uma série de linhas de pensamentos e posicionamentos teóricos. Em arquitetura, o predomínio do grupo que defendia um caráter nacionalista, com base nos conceitos ecléticos do neocolonial, provocava a crítica e a rebeldia daqueles que procuravam linhas mais progressistas e menos acadêmicas, ou mesmo o que à época era denominado “historicista”. Nesse grupo, estavam principalmente os estudantes e os arquitetos mais jovens que viam nas discussões internacionais uma possibilidade maior de modernização da arquitetura brasileira.
Em termos internacionais, a década de 1920 foi marcada pela realização, em Atenas, na Grécia, do primeiro Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM –, que de certa forma iniciou um grupo de arquitetos brasileiros nos debates modernistas. Foi também o momento em que Le Corbusier, teve suas idéias divulgadas na América do Sul, a partir de uma série de palestras e debates levados a efeito no Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires. A partir de tais contatos, Lúcio Costa, Carlos Leão, Cármen Portinho e Vital Brazil, no Rio de Janeiro, assim como Gregori Warchavchik, Jayme da Silva Telles e Flávio de Carvalho, em São Paulo, influenciados pelas palavras do grande teórico franco-suíço, passaram a desenvolver e a defender sua linha de pensamento.
A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, trouxe para a arquitetura brasileira a possibilidade de avanços significativos. A escolha de Gustavo Capanema para o Ministério da Educação e Saúde trouxe para dentro da repartição pública, os debates que já vinham ocorrendo já, há quase uma década, sobre as questões modernistas, principalmente nas artes plásticas e na literatura. Capanema cerca-se de nomes como Drumond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Mello Franco e Lúcio Costa, entre outros que, além de colocarem na prática as idéias modernistas, definem uma outra linha de pesquisa para as questões modernas, que é o estudo sistemático das coisas relacionadas com o nosso passado, definindo os conceitos do que seria o patrimônio histórico, além de uma legislação de proteção ao acervo cultural brasileiro.
Nesse momento, Mário de Andrade, atendendo a uma solicitação pessoal de Capanema, elabora o texto do “Artigo 25”, sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico, e Lúcio Costa assume a direção da Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA). Já havendo participado do movimento neocolonial e inclusive desenvolvido projetos com essa caracterização, Lúcio Costa, ao assumir a direção da escola, estava em franco entusiasmo com os conceitos modernistas, levando para aquela instituição de ensino, vários arquitetos vinculados ao novo processo arquitetônico. Grandes vão ser as desavenças entre modernistas e neocolonialistas dentro da escola, que culminam na demissão de Lúcio Costa, no ano seguinte. De acordo com Lauro Cavalcanti (2001, p.14)

os “modernos” são considerados “dignos” pelo estado de tornarem “digna”, em seu nome, a produção que sofrerá uma operação de “sacralização” através da inscrição nos Livros de Tombo e de uma legislação especial que impede o seu desaparecimento ou descaracterização. Adquiriram, também, a prerrogativa de opinar em construções no entorno de bens tombados. Na prática, tal função conferiu-lhes o papel de planejadores não só das cidades históricas, como também da área central da maior parte das capitais.

Os conceitos de modernidade e desenvolvimento, que passam a representar o governo Vargas, determinam a implantação e o desenvolvimento no país, de duas correntes distintas dentro do processo evolutivo da arquitetura brasileira. Não havendo por essa época nada que as separasse, as tendências tanto do que hoje é conhecido como “modernista” quanto como “art déco”, eram à época caracterizadas pelo título de “arquitetura moderna”, em oposição radical aos conceitos da arquitetura eclética. Revistas especializadas desse período apresentavam suas diferenças como resultantes de suas origens, sendo o déco citado como tendência francesa e o modernismo como tendência alemã. E, mesmo que a modernização da arquitetura brasileira tenha passado pelo conhecimento e aprendizagem de tais influências, de acordo com Segawa (1997, p. 112),

a arquitetura moderna brasileira, mesmo informada de um conteúdo internacionalista, corresponde a um esforço de transfiguração de concepções, adquirindo cores próprias sem se apoiar numa tradição local imediata (eclética nas três primeiras décadas do século 20), mas buscando no passado referências de identidade – um desafio próprio daqueles que buscam a criação e a originalidade inerentes à contemporaneidade, mesmo enfrentando e carregando as marcas das incoerências políticas e sociais bem como o peso das divergências ideológicas de um país à margem.

Assim, os conceitos e estudos desenvolvidos por grande parte dos modernistas brasileiros, sobre a arquitetura do período colonial, vão levar a uma produção de caráter eminentemente brasileiro, mesmo que as origens dessa modernidade estejam na Europa ou mesmo nos Estados Unidos da América. Além do mais, com seu caráter social e ético, consegue se sobrepor e abafar, em definitivo, a arquitetura neocolonial, que, de certo modo, ainda tentava se manter, disputando lugar com os modernistas.
Apesar de já contar com os projetos de Gregori Warchavchik, em São Paulo, desde 1927, o edifício considerado marco inicial de desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil, vai ser, sem sombra de dívida, a sede do Ministério da Educação e Saúde, de 1936, na capital federal, que contou, para seu desenvolvimento com a participação de vários arquitetos modernistas, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos, além da consultoria do mestre Le Corbusier. Também considerado como marco de referência da arquitetura moderna brasileira, principalmente para a crítica internacional, vai ser o pavilhão brasileiro, na Feira Internacional de Nova York, de 1939-1940, cujo projeto elaborado por Lúcio Costa em parceria com Oscar Niemeyer, que, segundo Cavalcanti (2001, p.407), proporcionaram uma leitura particularizada dos conceitos desenvolvidos por Le Corbusier, demonstrando a relatividade do que se considerava como divisões clássicas entre função organicismo e racionalidade, confirmando o modernismo como a vanguarda do que já se elaborava em território brasileiro. A construção de Brasília vem, assim, coroar esse desenvolvimento, passando a partir de então, a arquitetura moderna brasileira a se orientar, em várias direções, com características específicas próprias a cada uma delas.
A partir de então, algumas características vão marcar o desenvolvimento desse modelo arquitetônico, determinando alguns grupos que se sobressaem em diferentes regiões do país e que passam a ser considerados como escolas, sobressaindo-se entre elas, a carioca, a paulista e a pernambucana ou do Recife, principalmente. No Recife, o nome de maior destaque vai ser o de Luís Nunes, formado no Rio de Janeiro, no período de efervescência das discussões modernistas, tendo como estudante se destacado nos movimentos pela permanência de Lúcio Costa, na direção da ENBA. Foi o primeiro arquiteto a desenvolver projetos modernistas no nordeste, inovando no uso de materiais e nos conceitos formulados no período em que esteve à frente da Diretoria de Arquitetura e Construção de Pernambuco. Sua morte prematura, aos vinte e nove anos, se por um lado encerrou o desenvolvimento de seus trabalhos, não foi, no entanto, empecilho ao desenvolvimento do modernismo no nordeste, tendo continuidade através de outros arquitetos incentivados pelo trabalho pioneiro de Nunes.
No caso paulista, a proximidade com o Rio de Janeiro e a participação nos amplos debates e discussões em desenvolvimento, na capital federal, não se apresentaram como impedimento a uma produção arquitetônica de características próprias, evoluindo-se praticamente em paralelo àquela. Destaca-se, dentro da chamada escola paulista, João Vilanova Artigas, seguido de perto por Paulo Mendes da Rocha, entre outros. Formado pela Escola Politécnica de São Paulo, Artigas teve seu trabalho caracterizado pela ousadia no uso do concreto, pelos grandes vãos, além da preferência pela linha reta e ângulos nem sempre retos. Na arquitetura paulista, o concreto se apresenta como um elemento fundamentalmente plástico, sendo utilizado ao natural, e, em determinados momentos seu uso tem sido rotulado como “brutalista” (Reis Filho, 1976, p.94).
Apesar de elaborarem projetos para praticamente todo o território nacional, os arquitetos cariocas conseguiram desenvolver uma forma de trabalho e um padrão arquitetônico que os diferenciou, ao mesmo tempo em os transformou em referência e sinônimo de modernidade completa. E, sendo o modernismo um movimento, calcado em conceitos e regras teóricas definidas, são, durante várias décadas, os arquitetos cariocas os que se colocaram na vanguarda da produção, não somente teórica, como crítica e conceitual, propondo, dentro da produção modernista, a releitura e atualização de conceitos próprios da arquitetura do período colonial de caráter vernacular.
A implantação do modernismo, na arquitetura brasileira, propiciou também o desenvolvimento de uma ação integrada entre o edifício e o espaço público. Comentando sobre a implantação de Brasília, diz Reis Filho (1976, p.94) que, pela primeira vez, em nossa arquitetura foi possível encontrar uma solução que resolvesse, de modo amplo e simultaneamente, tanto problemas arquitetônicos quanto urbanísticos, permitindo com isso um aumento nas probabilidades de sucesso em ambos os setores.
Em Goiânia, esse modelo de arquitetura passa a ter representatividade, em princípios da década de 1950, com os projetos desenvolvidos por Eurico Godoy e Elder Rocha Lima, dois arquitetos goianos recém formados no Rio de Janeiro e fortemente influenciados pelo que se estava fazendo por essa época, naquela cidade.

A arquitetura modernista em Goiânia

A arquitetura de caráter modernista teve sua estréia, em Goiás, no ano de 1952 através do projeto de um edifício residencial desenvolvido por Eurico Godoy, para Terezinha M. S. Bacelar, a ser construído, na esquina da Avenida 10 com a Rua 91, no Setor Central.
Esse projeto representou para a arquitetura desenvolvida à época, em Goiânia, um coroamento no que se relaciona aos interesses modernizantes pretendidos pelo fundador, trazendo para o estado, o movimento modernista, com um atraso de praticamente trinta anos em relação ao que já acontecia nas outras capitais do país.
Fachadas da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy

Além da importância decorrente do momento histórico de sua implantação na cidade, esse projeto se apresenta com soluções extremamente simples,

O que pode ser percebido na forma retangular utilizada e na organização espacial tanto interna quanto externa, apenas que utilizando uma tradição ainda desconhecida da população goianiense, no que diz respeito a essa organização. Sendo assim, transforma o alpendre em uma varanda que ocupa toda a largura do retângulo, abrindo o bloco do edifício com a profundidade provocada por esse elemento, além de criar uma sensação de amplitude, com a utilização de panos de vidro, integrando estar, varanda e o exterior da residência (Coelho, 1994, p. 4).

Percebe ainda, ao se analisar a planta desse edifício, uma certa rigidez no que se refere à distribuição dos espaços, apesar de estar clara a preocupação com um certo racionalismo em sua organização. A utilização de um pequeno jardim de inverno – o que se constitui em uma das maiores inovações do projeto – atua no edifício como um elemento de integração que amplia o espaço da sala de estar, além de promover tanto a iluminação quanto a ventilação de áreas internas e reduzir visualmente o corredor de distribuição.
Planta da residencia de Terezinha M. S. Bacelar projetada por Eurico Godoy

Com relação à volumetria do edifício, a primeira coisa que se pode observar é o deslocamento do edifício em relação ao terreno, colocando a varanda em balanço e, forçando o aparecimento de uma sinuosa rampa de acesso. Elemento que se destaca em relação ao padrão residencial desenvolvido na cidade, até então, é a fachada voltada para a Rua 91.
percebe-se através dessa elevação, o caimento do telhado, em duas águas, com calha central, convergindo para o jardim de inverno, que divide a edificação em dois blocos trapezoidais. Dando continuidade ao movimento provocado por tais elementos, temos no bloco que corresponde à área íntima, uma grande abertura com esquadria que atende em uma única peça, tanto ao quarto quanto ao banheiro, abrindo assim, quase que toda a largura da parede para o exterior (Coelho, 1994, p. 4).


Quanto à utilização dos materiais construtivos, não houve, nesse edifício, a adoção de nada que pudesse ser considerado inovador, dentro dos padrões utilizados em Goiânia, até então. Apesar de já existirem esquadrias metálicas, o que se tem aí, é a utilização de da madeira, com grandes vãos envidraçados, sendo que, elaboradas em metal, apenas as portas que separam a sala da varanda e do jardim de inverno. Os metais, luminárias e materiais de acabamento são praticamente os mesmos encontrados nas demais residências do centro da cidade. Convém observar que eram praticamente materiais importados de outras regiões, já que não existiam em Goiânia, indústrias que atendessem a tais necessidades. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário