Quartel dos Dragões de Vila Boa
A documentação existente a cerca do Quartel dos Dragões de Vila Boa, demonstra desde a sua origem, na década de 1740, através da compra e adaptação de algumas casas junto ao Largo da Cadeia, até sua conclusão, alcançando a forma com que se apresenta nos dias de hoje, com as últimas grandes obras aí realizadas na segunda metade do século XIX, a preocupação que tiveram os governantes com a manutenção dessa edificação, de vital importância para a capital goiana. Praticamente todos os relatórios de governo elaborados ao longo do século, fazem referência a obras no Quartel, relacionando desenhos e projetos, como também apresentando orçamentos detalhados para as referidas obras.
parte do que hoje é o Quartel, já aparecia em desenho em 1751
A partir de 1858 incorporam-se às preocupações com a conservação do quartel, uma outra, que é a situação precária em que se encontrava a enfermaria militar, edifício de pequenas proporções, contíguo àquele e, pelas suas péssimas qualidades construtivas, apresentavam mais problemas que soluções.
Em relatório da época, Gama Cerqueira diz que, por ordem do Ministério da Guerra, já ordenou ao engenheiro militar a elaboração de um plano e orçamentos para a melhoria do edifício, levantando inclusive a possibilidade de aquisição de algumas casas contíguas para, demolidas, cederem terreno para que melhor possa se estabelecer uma nova enfermaria.
Em relatório datado de 1864, o presidente da Província, Couto de Magalhães informa que estão previstas algumas obras consideradas indispensáveis, para o quartel. Quanto à enfermaria, diz Couto de Magalhães que naquele momento se encontrava sediada na casa pertencente aos herdeiros do Bispo D. Francisco Ferreira de Azevedo, que possuía acomodações suficientes. Informa ainda haver sugerido a compra desse edifício, deixando o terreno contíguo ao quartel, onde está prevista a construção da nova enfermaria, para que se proceda ampliação àquele, insuficiente, como já se informou.
Três anos depois, em 1867, diz Gomes de Siqueira, ao entregar o cargo que, as obras estariam paralisadas por falta de recursos.
De grande valor documental, o projeto elaborado por Ernesto Vallée e redimensionado por Oliveira Lobo torna-se mais enriquecido pelo fato de existir, mesmo que em separado, o relatório do segundo engenheiro justificando e orçando as obras, tanto de reforma do quartel quanto de construção da nova enfermaria.
Temos com isso, a informação da existência de dois projetos para a enfermaria militar, a ser construída no local onde já existia uma outra, que, para tal deveria ser demolida, como realmente foi. É apresentada também a informação da realização de um projeto para a recuperação do quartel, que o engenheiro considera já bastante arruinado e que, qualquer obra aí realizada resultaria em nenhum proveito. No entanto o projeto foi elaborado e, segundo seu autor, acompanhando as características da nova enfermaria militar.
Seria bom observar que, pela descrição das intervenções realizadas no projeto, com o intuito de diminuir os custos da obra e pelas características do desenho existente, o projeto do engenheiro Ernesto Vallée deveria apresentar um melhor padrão arquitetônico. Infelizmente não se conhece o paradeiro desse primeiro desenho.
projeto da Enfermaria em anexa ao Quartel
Aqui, a obra de construção de uma nova enfermaria militar para Vila Boa, anexa ao Quartel dos Dragões, encontra o destino de praticamente todas as grandes obras iniciadas em Goiás, em seus dois primeiros séculos de existência: a paralisação por falta de recursos. É o que também diz Gomes de Siqueira, em 1867 – cinco anos depois –, sobre as mesmas obras militares.
Temos com isso, a descrição dos projetos tanto para ampliação do quartel quanto o de remodelação do já existente para a construção da enfermaria militar. Esse projeto apresenta o quartel praticamente na forma como se encontra hoje, com pequenas alterações. Nele não aparecem as varandas dos corpos laterais, existindo apenas as do corpo frontal e posterior. Aparecem em planta, duas salas para prisão contra o existente atual que é de apenas uma. Algumas divisões internas não correspondem ao atual, o que, no entanto, não compromete a estrutura do edifício. Apesar das informações do engenheiro, de que o estado do edifício era de extrema precariedade, não valendo a pena sua conservação, é muito difícil acreditar, por suas dimensões e monumentalidade, além da constante falta de recursos para as obras, expressos através da documentação existente, que tivesse sido demolido para em seu lugar se construir outro. A reforma teria sido assim, a única saída viável e, pelo que tem resistido até hoje, não foi de má qualidade.
Pelo relatório, o que se depreende é a elaboração de um projeto em que estivessem os dois edifícios elaborados de forma a não se perceber diferenças construtivas ou mesmo de estilo ou caracterização arquitetônica. No entanto, pelo desenho, percebe-se duas coisas completamente diferentes, com o quartel preservando suas características de arquitetura portuguesa colonial, utilizando o beiral encachorrado e a enfermaria, utilizando platibanda, buscando as referências neoclássicas já em uso, principalmente no Rio de Janeiro, de onde veio o engenheiro Oliveira Lobo, desde algumas décadas, com a vinda da Missão Francesa. Apesar de unidos parede-meia, as diferenças de estilo colocam os dois edifícios em situação diametralmente oposta ao proposto, ou mesmo indicado no relatório.
Em planta, a enfermaria apresenta a mesma forma de organização do quartel, desenvolvendo-se em torno de um pátio central, se bem que utilizando apenas três de seus lados, deixando cega a parede que faz divisa com o quartel. Sua organização interna é feita por setores, estando a parte fronteira ocupada pela administração - sala de entrada, arrecadação e farmácia –, a lateral pelas enfermarias – enfermaria de oficiais, de soldados e de inferiores – e a posterior pelos serviços gerais – aposentos de enfermeiros e de serventes, cozinha, depósitos e latrina. No centro um pátio com praticamente a metade das dimensões do pátio do quartel e neste, um poço, também com dimensões inferiores ao daquele.
Em 1873, Oliveira Lobo ainda se manifestava através de relatórios e ofícios contra a morosidade do governo em resolver as questões de liberação de verbas para as obras militares.
A fachada principal, em dois pavimentos, apresenta frontão triangular associado a platibanda, com o brasão do império no centro e aberturas em perfeito equilíbrio, tanto na horizontal quanto na vertical, como bem caracterizavam as edificações neoclássicas à época. Já a fachada lateral, voltada para o beco, não apresenta nada que a identifique com sua época, a não ser o volume do segundo pavimento. No restante é um edifício tradicional com cobertura simples e pequenas janelas, altas, aparentemente gradeadas.
o Quartel com a proposta de ampliação
O quartel apresenta a mesma conformação referenciada no projeto de 1862 acrescido apenas da parte correspondente à residência demolida do lado oposto ao que é ocupado pela enfermaria, que, ou ficou apenas no projeto, ou foi novamente demolida para em seu lugar reedificar residência, que é a forma como se encontra hoje o conjunto.
É possível, inclusive, se perceber hoje, na planta do quartel, sem uso, o espaço que deveria servir de corredor de ligação entre o edifício e a ampliação proposta.
Em 1882, o engenheiro Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim, que substituiu Oliveira Lobo na direção das obras militares em Goiás, na tentativa de resolver os problemas de espaço físico para as atividades militares na Província, propõe utilizar os alicerces da enfermaria para ampliação do quartel.
Para tanto, Moraes Jardim organiza e refaz os desenhos do projeto elaborado por Ernesto Vallée e modificado por Oliveira Lobo – basta observar a descrição das modificações feitas no relatório deste último –, o que vem justificar o fato de o projeto da enfermaria apresentar tanto a data de 1883, quanto o nome de Moraes Jardim como organizador. Também a pobreza estética do primeiro – enfermaria redesenhada com data de 1883 – em relação ao segundo – quartel datado de 1874 – explicado no relatório de Oliveira Lobo como decorrente da necessidade de redução de custos da obra.