sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

arquitetura brasileira I

REFLEXOS DA ARQUITETURA IBÉRICA DE ORIGEM ISLÂMICA
NA ARQUITETURA BRASILEIRA 

No decorrer do século XX, dois importantes trabalhos foram elaborados relacionando a arquitetura brasileira a uma matriz ibérica de origem muçulmana. O primeiro deles, intitulado Influências muçulmanas na arquitetura tradicional brasileira, de autoria do médico e historiador da arte José Marianno Filho, publicado nas primeiras décadas do século XX, buscava nessas referências as bases que justificariam sua preocupação e defesa em relação a uma arquitetura de caráter eminentemente brasileiro, que seria o Neocolonial.
É sabido de todos os que se interessam pelo estudo da história da arquitetura brasileira que José Marianno Filho e o arquiteto português radicado em São Paulo, Ricardo Severo, foram os maiores defensores e teóricos desse modelo arquitetônico que, por longo tempo foi relacionado ao ecletismo e que, só agora, iniciado o século XXI, começa a ter reconhecimento e estudos específicos, no sentido de melhor entendimento com direito a ocupar um espaço próprio na linha de desenvolvimento de nossa arquitetura. Foi também Marianno Filho incentivador de pesquisas, chegando mesmo a bancar viagens de alunos de arquitetura às cidades mineiras do período colonial para organizarem estudos e levantamentos visando uma maior compreensão das técnicas e do modelo tradicional como base para futuros projetos em que o Neocolonial fosse a principal referência, já que acreditava ele ser esse o modelo arquitetônico que melhor representava nossa cultura, baseada nas tradições que formaram e estruturaram o Brasil ao longo já de quatro séculos de existência.

Escola projetada por José Amaral Neddermeyer com caracterristica neocolonial

Ao longo do período em que esses estudos se desenvolveram, é histórico o desentendimento entre Marianno Filho e um de seus alunos mais promissores, Lúcio Costa, quando este, abandonando o barco do Neocolonial, vinculou-se ao Modernismo corbusiano, naquele momento o principal inimigo a ser combatido pelo grupo liderado por Marianno, o que se constituiu em um duro golpe no andamento dos estudos e pesquisas organizados pelos neocolonialistas. Convém observar que, inicialmente, as baterias dos defensores do Neocolonial estavam todas voltadas contra a arquitetura de caráter eclético e academicista de origem européia que, segundo Marianno Filho e seus seguidores, representava uma interferência pouco construtiva ao bom entendimento de nossas tradições e fazeres arquitetônicos.
O segundo trabalho, de autoria do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, intitulado a herança mourisca da arquitetura brasileira, já iniciada a segunda metade do século, trazia um outro enfoque ao assunto, objetivando, nesse momento, mostrar em que medida a influência da arquitetura ibérica de origem islâmica contribuiu para o desenvolvimento de uma arquitetura de caráter modernista, eminentemente brasileira.

projeto de Lúcio Costa utilizando balcão e elemento vazado, influência da arquitetura mourisca

Kneese de Mello, que se gabava de possuir o registro de n° 1 do IAB-SP – Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção São Paulo – foi um dos grandes defensores da arquitetura moderna, tendo ao longo de sua vida publicado livros, artigos e inúmeros estudos, além de proferido palestras e conferências sobre a arquitetura brasileira, em especial aquela produzida no século XX.

Assim, dois estudos sobre o mesmo assunto são apresentados com objetivos de interesses opostos, ou seja, cada um pretendendo defender seu ponto de vista – o Neocolonial de José Marianno Filho e o Modernismo de Eduardo Kneese de Mello – utilizando os elementos mouriscos como base e referência para suas teorias: a influência islâmica na arquitetura ibérica como base para o desenvolvimento (ou retomada) de uma arquitetura tradicional por um lado, e por outro, essas mesmas influências como elementos fundamentais do desenvolvimento de uma arquitetura nova, modernista.  

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Construções religiosas em Vila Boa de Goyaz II

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA BOA MORTE

 



Construída inicialmente no largo do Chafariz, ou da Boa Morte, pela Irmandade dos Homens Pardos, a capela de Nossa Senhora da Boa Morte já aparecia em desenhos datados de 1751, ao lado da Casa de Câmara e Cadeia, um edifício de um único pavimento. Apesar da existência nesse mesmo largo, de edifícios e monumentos importantes, como a Casa de Câmara e Cadeia, o Quartel dos Dragões e o Pelourinho, foi pelo nome da capela que ficou conhecido o largo, durante muito tempo, assim como o chafariz, construído um ano antes da transferência da capela para o largo do Palácio.

Em 1762, por iniciativa do capitão de cavalaria Antônio da Silva Pereira, teve início a construção da capela de Santo Antônio, que utilizava os alicerces de uma das casas pertencentes a Bartolomeu Bueno da Silva. Tal capela deveria atender aos militares em suas necessidades religiosas, e contou, para a construção, segundo o padre Des Genettes (1980), com uma provisão datada de 6 de setembro daquele mesmo ano.
Entretanto, a proibição quanto à existência de templos pertencentes a militares fez com que os mesmos doassem à Irmandade dos Homens Pardos, a construção inacabada de sua igreja, que foi então por eles concluída e ocupada em 1779. A partir de então, passou a Irmandade dos Militares a se reunir na Matriz de Sant’Anna, onde teve um altar dedicado ao seu santo padroeiro.
Único edifício religioso da região de Vila Boa a apresentar na fachada elementos característicos da arquitetura barroca, a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte apresenta ainda, em seu interior, a nave na forma de um octógono retangular. Possui dois altares laterais, sendo um dedicado a Nossa Senhora das Dores e a outra a Nossa Senhora do Parto, além de corredores laterais à capela-mor ligando-a à sacristia, situada em sua parte posterior.
Em decorrência da irregularidade do terreno e da forma como o edifício foi implantado criaram-se dois jardins, sendo um deles dotado de um pequeno poço, além de abrigar a torre sineira, uma estrutura de madeira lavrada, encimada por uma cobertura de telha canal de quatro águas, com inclinação bastante acentuada, com forma piramidal.

Essa igreja possuiu, segundo Cunha Mattos (1984), pintura a fresco, da qual não existe hoje nenhum registro, e serviu como Catedral de 1874, com o desabamento da igreja Matriz, até 1967, quando essa função retornou para a igreja de Sant’Anna.
De acordo com Suzy de Mello, em determinado momento da evolução da arquitetura religiosa mineira, a altura da nave era ampliada, dando espaço à implantação de um segundo pavimento com a finalidade de atender às necessidades da mesa diretora da Irmandade. Surgia assim, de acordo com essa autora (MELLO, 1985, p. 139) sobre a sacristia, e com a mesma área desta, um salão, denominado consistório, destinado a abrigar a Irmandade em suas reuniões.
Em Vila Boa, a única igreja a apresentar tal modelo evolutivo é a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, observando-se aqui que, o que em Minas Gerais se apresenta como evolução e passa a se incorporar às novas construções, em Goiás aparece de maneira esparsa e geralmente sem atender à mesma seqüência desenvolvida nas Gerais, e como geralmente a sacristia estava situada entre dois corredores laterais que lhe serviam de acesso, também esse espaço era aproveitado em um segundo pavimento para a instalação das tribunas, geralmente abertas para dentro da capela-mor, de onde as figuras ilustres assistiam às celebrações, resguardadas do contato com o geral da população.
Na igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, as tribunas apresentam-se situadas sobre os altares laterais, com abertura em verga de arco abatido e parapeito de balaústre torneado dando para a nave, sendo o seu acesso feito pela sala do consistório.

Duas outras igrejas em Vila Boa apresentam tribunas na parede lateral, todas abertas para a nave, o que possibilita a visão da capela-mor, permitindo às pessoas que ali se encontram, assistirem aos ofícios, o que não acontece na igreja da Boa Morte, onde, pelo fato de ser a nave de formato octogonal, e as janelas das tribunas (uma de cada lado) situadas nas faces que definem o octógono, a visão do altar-mor fica obstruída em decorrência do ângulo formado com a parede do arco cruzeiro. Sua localização demonstra mais uma preocupação estética do que propriamente uma necessidade de possuir tribunas, já que compõem um conjunto singular com duas paredes com janelas falsas, duas aberturas laterais no coro e duas grandes envasaduras que se defrontam, que são o arco cruzeiro e o arco central do coro.


Essa igreja é, por suas proporções e pelo esmero dos detalhes de sua fachada, o edifício que mais se impõe no conjunto arquitetônico da cidade de Goiás.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A arte de Elder Rocha Lima

CERRADOS, VEREDAS E GERAIS

               (PINTURA, DESENHOS E GRAVURAS)
  

              
Após receber o título de Doutor Honoris Causa, na PUC-GO, Elder Rocha Lima pensou em fazer uma exposição que fosse quase uma mostra retrospectiva de seu trabalho. No entanto, questões ocorridas no desenvolvimento do processo acabaram por transformar a mostra em uma de suas melhores exposições, mostrando o fôlego, a expressão e a criatividade com que o artista desenvolve o seu trabalho. Também para a galeria Beco das Artes, onde a exposição aconteceu, foi  um momento de real importância, com a apresentação dos trabalhos de um dos mais expressivos artistas goianos.
As peças apresentados nessa mostra, ainda que perdendo a caracterização como uma intenção de retrospectiva tem a função de trazer ao conhecimento daqueles que se interessam por arte em Goiás, a obra de um dos principais artistas goianos cuja produção se concentra na segunda metade do século XX e início do XXI.
De acordo com o próprio artista, representam esses trabalhos “mais um exemplo de temas prediletos e algumas técnicas preferidas que cercam meu trabalho há mais de 40 anos, representando variados tempos individuas de produção”, estando aí presentes as pinturas em tela, as gravuras e alguns desenhos em bico-de-pena, com temática predominantemente “vinculada à paisagens urbanas de nossas cidades goianas do período colonial e vistas do cerrado, campos gerais, veredas e matas de galeria. As cidades representadas são Cidade de Goiás, Pirenópolis e Corumbá de Goiás”.


Nessas paisagens, tanto as urbanas quanto as rurais, o que o artista pretende, sobretudo, é imprimir sua total empatia com o cenário paisagístico goiano, sem marcar nenhuma intenção direta ou indireta de pronunciamento ou de bandeira de defesa ecológica.
O que ele busca com a seleção dos trabalhos aqui expostos é o seu enquadramento no panorama cultural do planalto central, especificamente daquilo que se vem conceituando denominar como cultura cerratense e/ou cultura goiana, entendendo de maneira especial o que se pretende como regional é o melhor caminho que conduz a um universo cultural de maior amplitude.
Constitui-se essa mostra de 13 telas, pinturas trabalhadas com a técnica de têmpera vinílica sobre tela, com as dimensões de 70 x 90cm. As tintas utilizadas são preparadas pelo próprio artista, em seu ateliê, e enquadram-se na classificação genérica de tintas acrílicas.
Quanto ao processo de trabalho, é perceptível a preferência de Elder Rocha Lima pelo gestualismo, onde se apresenta uma expressiva liberdade no ato de pincelar, sem qualquer controle ou pretensão disciplinadora. A soma de gestos é que formata a composição, conferindo à tela ou ao desenho esse aspecto aparentemente caótico, principalmente no que se relaciona aos detalhes, tendo, no entanto que se admitir a existência de efeitos ocasionais de forte expressividade.


Esse aparente caos, de acordo com Elder Rocha Lima, “aproxima-se do cerrado no seu aspecto fractal, ao invés de uma fisionomia próxima a geometria euclidiana. Essas observações não pretendem ‘explicar’ minhas condutas pictóricas, mas sim esclarecer alguns aspectos da minha fatura plástica”.
E é a recente e intensa convivência, com a cidade de Pirenópolis que, provavelmente, determinou o eixo condutor dessa exposição, onde a maioria das telas representa paisagens extraídas de andanças pela Serra dos Pireneus, onde as largas visadas, os amplos horizontes comparecem dentro de todo um conceito artístico e de vivência já experimentados por Elder Rocha Lima.
Embora não negue a influência de certos artistas ditos acadêmicos, a forma como os trabalhos de Elder são desenvolvidos, demonstra uma clara concepção espacial, totalmente livre, indo da perspectiva renascentista à perspectiva paralela dos artistas orientais, ambas utilizadas por ele como fonte inesgotável de pesquisa. Momento em que essa perspectiva paralela pode ser observada com maior intensidade é na produção de naturezas-mortas, em que o artista usa de total liberdade, conseguindo as visadas que tão bem caracterizam seu trabalho.
Utilizando o papel como suporte, encontramos nesta mostra, dez trabalhos onde foram utilizadas as técnicas gráficas de desenho a nanquim (bico-de-pena), monotipia (cópia única), serigravura, fusain e aquarela. Alguns desses trabalhos são declaradamente figurativos como os desenhos de figura humana e as cenas urbanas de caráter regional; outros apresentam intenção plástica mais livre, chegando mesmo ao nível da abstração.



Os trabalhos apresentado nessa exposição são, em sua maioria de cunho figurativo, com certas características intencionalmente documentais, trabalhados, no entanto, com liberdade estilística e, em certos casos, conscientemente contida e limitada por esse determinante.
Para esse mês de dezembro de 2013, Elder Rocha Lima já prepara outra exposição na galeria Beco das Artes, com o título "Experimentações sobre Papel", com desenhos e pinturas e técnica mista , tudo sobre papel, uma das grandes paixões do artista.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Arquitetura Manuelina II


Portugal à época dos descobrimentos

Ao discorrer sobre os momentos iniciais da história e da consolidação do Estado Português, o historiador Joaquim Serrão (1980, p. 14) diz que a unidade do que hoje é conhecido como o território português foi conseguida e consolidada em função das lutas ocorridas ao longo dos dois séculos e meio iniciais de sua existência, tendo sua efetivação acontecida a partir de três momentos fundamentais: o primeiro – a formação do Estado –, acontecido no decorrer do século XII, com a atuação de D. Afonso Henriques; o segundo – a consolidação das fronteiras –, implementado no século seguinte, que teria ocorrido como resultado das ações de D. Dinis em seus 46 anos de reinado; e, finalmente, em terceiro – o alcance dos foros de Nação –, já em fins do século XIV, no reinado de D. João I.
Durante todo esse tempo o que se observa em território português, com relação à arquitetura é a miscigenação de modelos representativos do medieval árabe com os estilemas próprios do medieval cristão nas edificações de caráter mais popular e um medieval cristão pobre, se comparado ao produzido no restante da Europa, nos edifícios oficiais e religiosos.
Estando o surgimento de Portugal vinculado às sucessivas vitórias do cristianismo sobre os mouros estabelecidos na região desde o século VIII, tanto os representantes da nobreza quanto os do clero tiveram a preocupação de eliminar da arquitetura oficial, assim como da religiosa, qualquer elemento que fizesse referência à cultura islâmica. Com isso, os edifícios que por um motivo ou outro não foram demolidos, passaram, ao longo do tempo, por um processo de descaracterização tal, que, até fins do século XV, o que se viu no país, em relação às edificações públicas e religiosas, foi algo extremamente simples, que em nada se poderia comparar à arquitetura produzida no restante do continente europeu. Exemplo desse processo é a igreja Matriz de Mértola, situada na região sul do país – Algarve – que é o resultado de uma série de intervenções realizadas na antiga mesquita moura existente no local.

Igreja de Mértola, antiga mesquita moura

De acordo com Pedro Dias (1994, p. 51), em praticamente todas as cidades portuguesas de origem islâmica conquistadas pelos cristãos, a mesquita principal era consagrada e transformada em catedral, sendo as demais, menores em importância, convertidas em paróquias, quando não eram entregues para uso a alguma ordem religiosa. É assim que,

Até esse período, final do século XV e início do XVI, a arquitetura portuguesa mantém-se com um certo conservadorismo, com o Renascimento contribuindo apenas através da utilização de alguns elementos ou algumas de suas ordens aplicadas a edifícios oficiais. Praticamente, a arquitetura portuguesa passa diretamente do medieval ao maneirismo, não apresentando uma produção renascentista de maior consistência (Coelho, 1991, p. 107).

Isso, de certa maneira, vai se refletir também na forma como as cidades se estruturam, visto que, em decorrência de não conhecerem as novas propostas desenvolvidas no restante da Europa, atravessam todo o período de desenvolvimento do renascimento, reproduzindo os esquemas próprios conhecidos desde o período de sua organização como estado político independente.
Ainda de acordo com Pedro Dias (1994, p. 51), a estrutura urbana das cidades portuguesas manteve-se inalterada por praticamente toda a Idade Média, pois, mesmo quando se melhoravam ou se reconstruíam edificações deterioradas pelo tempo, eram invariavelmente respeitados os alinhamentos das antigas fachadas, incluindo-se aí as saliências impostas pelos balcões, estabelecidos como proteção de passagem por sobre o espaço da rua. Considera-se ainda que, nesse momento, mesmo o restante da Europa não apresentou avanços de grande monta no que se refere à organização e melhoramento no traçado das cidades. Sendo assim, a arquitetura portuguesa manteve, em aspectos gerais, seu caráter medieval até o início do período maneirista, indo o tratamento das cidades receber modificações consideradas como relevantes apenas com o Barroco.
Por outro lado, no que corresponde aos edifícios de caráter mais erudito, o conservadorismo expresso na arquitetura desenvolvida em Portugal – imposto principalmente pela influência da igreja diante do poder temporal – somente será tocado por aspectos modernizadores, nos anos finais do século XV, com a subida de D. Manuel I, o Venturoso, ao trono português no ano de 1495. Por volta de 1498, após seu casamento com D. Isabel, filha dos reis católicos de Castela, D. Manuel empreende uma viagem pela Espanha, onde o contato com os principais monumentos espanhóis, representativos da arquitetura mourisca, vai reforçar seu entusiasmo por esse modelo arquitetônico de tal forma que uma de suas primeiras ações à frente do poder em Portugal será a restauração, no Paço de Sintra, dos elementos muçulmanos eliminados ao longo de sucessivas reformas.
Palácio Nacional em Sintra, reformado por D. Manuel I.

Com uma visão mais aberta e um gosto especial em relação às artes e à arquitetura, D. Manuel vai não só investir na restauração dos elementos característicos da arquitetura de origem árabe como também, em um sentido oposto, contratar arquitetos italianos e franceses para desenvolverem projetos com um caráter de eruditismo europeu no país. Isso, em certa medida, traz para Portugal parte da discussão em desenvolvimento no restante da Europa.

Fazem ainda parte do seu projeto de modernização da arquitetura portuguesa a contratação de mestres e construtores – originários das conquistas portuguesas no norte da África –, a busca de inspiração na produção mourisca da Andaluzia e o incentivo à instalação de olarias em todo o território português, com o objetivo de produzir ali mesmo os azulejos a serem utilizados tanto nas obras de restauro quanto nas novas construções a serem elaboradas sob sua orientação. Estes passam a ser largamente utilizados em todos os exemplares da nova arquitetura portuguesa, deixando, inclusive, de acordo com Kneese de Melo (s/d, p. 41), de apresentarem os tradicionais motivos estilizados de origem árabe para desenvolverem motivos mais figurativos, considerados mais próximos da cultura cristã ocidental.
Painel figurativo elaborado em Azulejo.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

arquivos de projetos I

Projeto de residência em arquivo particular na cidade de Anápolis

Com uma boa dose de atraso, o desenvolvimento da arquitetura em Goiás tem acontecido um pouco a reboque do processo acontecido em outras regiões do país. Por cerca de dois séculos o que se produziu no estado foi uma arquitetura de caráter popular e tradicional com o emprego das mesmas técnicas e materiais construtivos, sem qualquer alteração que merecesse destaque.
Nas décadas iniciais do século XX dois fatos vão se apresentar como decisivos para uma alteração radical na maneira de construir do goiano: a chegada da ferrovia à região sudeste do estado e, na capital, a saída de jovens filhos da elite vilaboense com o objetivo de estudar engenharia no Rio de Janeiro. O resultado foi a implantação de uma arquitetura, nova para Goiás, mas que já era conhecida no resto do país desde meados do século anterior.
Arquitetura que nas regiões litorâneas representava o governo da primeira república, o ecletismo, com todas as suas variantes veio trazer um aspecto moderno para as cidades goianas acostumadas com o adobe, o pau-a-pique, a telha capa-e-bica e a pintura a cal. Fotos antigas de cidades como Ipameri mostram como já, na década de 1920, os antigos casarões representantes da arquitetura tradicional estavam sendo substituídos por construções de uma aparente modernidade, onde os elementos decorativos ecléticos, até então desconhecidos em Goiás, aparecem com acabamento elaborado por uma mão-de-obra especializada composta por migrantes estrangeiros que acompanham o avanço dos trilhos ferroviários pelo interior do estado. Frisos e cimalhas em relevo, platibandas recortadas, portas metálicas de correr, além do ponto mais alto do telhado como resultado do uso da telha francesa, dão um caráter de movimento e modernidade aos novos edifícios e, consequentemente ao aspecto geral da cidade.
  uma rua de Ipameri na década de 1920

Sendo a transformação das cidades do sudeste goiano resultado de modificações mais amplas ocorridas com a chegada da ferrovia, a modernização ocorreu de maneira mais intensa e com caráter mais efetivo do que o que foi visto na capital. O grande número de migrantes estrangeiros que chegou acompanhando os trilhos, incentivava e reforçava essas mudanças, com mão-de-obra especializada e conhecimento técnico, fazendo definitivas as mudanças, ou seja, enquanto na capital as antigas edificações eram reformadas para assumirem características modernizantes, na região sudeste, os antigos casarões de arquitetura tradicional eram demolidos para darem lugar a novas construções, modernas nas feições, nos materiais e principalmente no que se relaciona ao acabamento construtivo.
No caso da capital, apenas o conhecimento intelectual de quem tinha acesso às informações contidas em jornais e revistas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo incentivou as mudanças e tentativas de modernização, já que não existia ali a mão-de-obra adequada ao trabalho com os novos materiais e as novas técnicas construtivas necessários.
O objetivo deste trabalho é mostrar a forma como essa modernização dos edifícios tanto residenciais quanto de uso público aconteceu em território goiano, apresentando informações, documentos e projetos produzidos e arquivados em cidades como Vila Boa e Ipameri – construídos ou não – produzidos com o objetivo principal de dar uma nova feição a essas cidades, modificando a característica original de sua arquitetura e tentando introduzir uma modernidade que, embora um tanto tardia e já em evidência em outras regiões, ainda era desconhecida da maioria dos habitantes do estado de Goiás.
Grande parte dessa documentação, pertencente originalmente, no caso da antiga capital, ao arquivo da Prefeitura Municipal, encontra-se hoje sob a guarda do Arquivo Frei Simão Dorvi, que vem se constituindo em um dos principais centros documentais da cidade. Outros, produzidos no mesmo período que esses, podem ser encontrados em arquivos de fora do estado, como o arquivo do exército no Rio de Janeiro, o arquivo do convento dos padres Dominicanos em Belo Horizonte, entre outros. Em Ipameri, a documentação, também originalmente pertencente à administração municipal, encontra-se atualmente sob a guarda do Instituto Romão Edreira.
Desenho encontrado no arquivo do Instituto Romão Edreira, em Ipameri.

Com seu crescimento paralisado desde o fim da produção aurífera, nas décadas finais do século XVIII, a cidade de Goiás permaneceu praticamente a mesma, com os mesmos edifícios, a mesma conformação e organização urbana até princípios do século XX, quando, provavelmente induzida pelas mudanças ocorridas em outros municípios do estado, iniciou um processo de modernização com características próprias, em que somente as fachadas dos edifícios sofriam alterações, ficando a parte interna organizada como sempre esteve, desde as décadas iniciais do setecentos.
Tentativa de modificação já havia acontecido anteriormente, quando, na segunda metade do século XIX os edifícios de caráter oficial passaram por uma série de reformas para que fossem aí aplicados os elementos próprios do neoclássico, estilo que naquele momento representava o poder político do Império. Utilizando o mesmo processo, em que somente a fachada sofria as modificações necessárias à pretendida modernização, o início do século XX viu ser implantada na antiga Vila Boa, uma arquitetura que, no mais das vezes se encontrava em declínio em outros estados da federação, mas que, dada a situação de isolamento e pobreza da capital goiana, se apresentava com um caráter de modernidade nunca visto.
 Assim, esse processo de modificação implantando a modernidade favorecida pela arquitetura eclética, na cidade de Goiás e, com diversidade maior, na cidade de Ipameri, será aqui apresentado com base em uma série de projetos elaborados nessas cidades no decorrer das décadas de 1920 e de 1930, no caso da antiga capital, exatamente no momento em que a cidade deixava de ser o centro político do estado, e, de 1920 a 1960, no caso de Ipameri, com o crescimento econômico provocado pela chegada da ferrovia a essa região. Com um certo atraso em relação ao restante do país, a cidade de Goiás, nesse momento, começava a elaborar projetos de caráter eclético na tentativa de modernizar seus edifícios tanto públicos quanto residenciais, utilizando um modelo arquitetônico já ultrapassado nos grandes centros ou mesmo já com duas décadas de emprego na região sudeste do estado, região de influência da rede ferroviária.
No que se relaciona ao espaço urbano, é possível observar através de uma série de mapas existentes, que a paralisação se estendeu por tempo maior do que aquele acontecido com a arquitetura. Arquivos e publicações nos mostram os mapas resultantes dos vários levantamentos feitos sobre a cidade ao longo do século, apresentando o lento crescimento urbano por que passou a antiga capital.


Projeto encontrado no Arquivo frei Simão Dorvi, na cidade de Goiás.


 No caso de Ipameri, as coisas acontecem de forma diferenciada. O grande movimento econômico por que passou a cidade, a quantidade de migrantes oriundos de vários países e continentes e a facilidade de acesso a informações facilitou o processo de transformação tanto urbano quanto arquitetônico, gerando um número considerável de projetos, quase todos executados, mudando de forma radical a paisagem do núcleo e, se em um primeiro momento implantava uma arquitetura já em desuso em outras regiões, em curto espaço de tempo colocou a cidade no mesmo pé de igualdade com o resto do país, chegando a promover um concurso de projetos para a construção de uma nova sede para o poder público municipal, com todos os concorrentes utilizando o art déco como característica para suas propostas. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Roos e a arte da gravura

o flautista - gravura em metal

Com sua produção artística voltada basicamente para a pintura em acrílica sobre tela, Roos Oliveira foi um dos artistas que, entre o final da década de 1970 e início da de 1980, buscou na gravura uma forma de extravasar sua criatividade, quando, então, desenvolveu várias experiências com a xilogravura, litografia e gravura em metal – tendo produzido nesse período dois álbuns de gravuras intitulados IGREJAS e CLÃ – além é claro, de inúmeros outros trabalhos com temas diversificados, o uso de técnica mista e o acabamento próprio que caracteriza seu trabalho artístico.
Muito por insistência de D. J. Oliveira, que via em sua forma peculiar de desenho, uma grande possibilidade de desenvolvimento de trabalhos com gravura, Roos partiu para a nova experiência, aprendendo os processo de preparo e gravação de chapas, prensagem e tiragem de exemplares, trabalhando sempre no ateliê do mestre.
Uma de suas primeiras experiências com a gravura fora do ateliê de D. J. Oliveira aconteceu em São Paulo com a produção de alguns trabalhos em litogravura, infelizmente de tiragem muito pequena, com pouca ou quase nenhuma divulgação. Desse período, o trabalho que mais se destaca é a gravura “meia e chapéu” com tiragem de 50 exemplares, onde toda a trama impressa gira em torno e em função de valorizar a grande mancha branca central, representado pelo corpo de uma mulher. Interessante é observar nessa gravura a forma como estão dispostas as manchas, o movimento das cores, o jogo de claro e escuro, além dos cortes, bem característicos do trabalho de Roos.


meia e chapéu - litogravura

No que se relaciona às gravuras em metal, observa-se também que um dos personagens que sempre frequentou sua produção em tela, a figura de São Francisco foi uma que também visitou com regularidade as chapas de gravura – principalmente nos trabalhos desenvolvidos na década de 1970 – tanto em impressões em preto e branco, quanto em algumas gravuras onde o artista se permitiu o uso da cor. Característica comum a praticamente todas as gravuras em que Roos utiliza a figura de São Francisco é a proximidade da expressão do personagem com a de pessoas comuns que, supomos, podem ser vistas a qualquer momento nas ruas de nossas cidades: esqueléticos, sofridos, meio santos e meio loucos, além da dramatização explorada pelo artista na forma de preparar as chapas para impressão.

São Francisco - gravura em metal


Da mesma forma que São Francisco, o palhaço, outra figura emblemática na obra do artista, comparece em sua produção de gravuras, protegido ou mesmo escondidos sob grossas máscaras, que conferem ao personagem um ar de zombeteira provocação. Em uma série de gravuras intitulada MÁSCARA, as figuras utilizadas – palhaços ou não – demonstram bem o lado questionador e provocativo do artista, onde, na maioria das vezes o expectador é que se sente observado, provocado no sentido de dar respostas. No entanto, nesta série são mesmo os palhaços aqueles que mais se destacam como característicos da expressividade crítica do artista, onde seu traço rápido e preciso demonstra o ambiente vivido à época, assim como a variedade de representações do personagem demonstram também o nível por que passava o processo criativo de Roos.
É interessante observar também que, no caso de algumas gravuras, a preservação da sequência de provas de tiragens conseguiu registrar o processo de produção, onde os exemplares conservados mostram as etapas de entintamento da chapa, da primeira à última impressão, funcionando esse conjunto como uma aula dessa técnica artística. a primeira das gravuras mostra o palhaço ainda em preto e branco, em um nível básico de impressão. Na segunda imagem, as cores já começam a aparecer, para se apresentarem fortes e definitivas na última das três gravuras.
O mesmo pode ser visto com a sequencia de duas representações da mesma gravura dedicada à igreja de N. S. do Rosário de Luziânia – pertencente ao álbum IGREJAS –, em que não só o entintamento, mas também o processo de preparo da matriz ficou registrado, com toda a dramaticidade expressa na gravação definitiva, que se apresenta bem diferente do que foi registrado na impressão de prova.
  

máscara - gravura em metal

 Desse período (anos 1970 e 1980) são também os FAUNOS, que aparecem em gravuras e desenho a nanquim, excluídos, porém, das obras em tela do artista, provavelmente pelo fato de essa técnica não comportar determinados aspectos de expressividade dos personagens que melhor se viabilizam através do traço simples e direto próprio do desenho ou ainda dos riscos específicos da gravura.
Extremamente divertidos, cínicos e amorais, esses personagens representam uma época de grande descontração no desenvolvimento das artes em Goiás. Seriam, talvez, o símbolo dessa descontração, representada pelo trabalho de um de seus artistas mais expressivos.

fauno e pássaro - gravura em metal

 Com as mesmas características críticas desses personagens, aparecem também as gravuras do “bêbado”, “cabeças e arlequins” e “marionetes”, onde o tratamento da matriz e o uso de claro e escuro contribuem para destacar o caráter físico e caricatural dos personagens. É também clara nessas últimas gravuras, a influência de outros processos de trabalho do artista, como as manchas, próprias de sua pintura em tela que, no caso das gravuras se expressam como variações em tons de cinza.
O auge do trabalho de Roos, no que se relaciona às gravuras, foi a produção dos álbuns IGREJAS DE GOIÁS (1978) e CLÃ (1979). No que se relaciona às IGREJAS, é visível a influência de D. J. Oliveira, no traço, na expressão do desenho, no sombreamento e mesmo na escolha dos ângulos de representação, influência, aliás, reconhecida e assumida pelo próprio artista. Quanto ao CLÃ, a independência de Roos em relação ao mestre já bem definida. A escolha dos temas e a precisão no traço já são plenamente reconhecíveis como pertencentes à mão de Roos. Nas gravuras incluídas nesse último álbum, houve a pretensão, segundo o próprio artista, de representar suas vivências naquele período, associando a isso a tentativa de criar uma metáfora própria, independente do grupo de artistas com quem convivia à época. Além disso, os personagens utilizados foram quase todos criados em função daquele projeto.
Os personagens que compõem o álbum CLÃ trazem ainda um certo grau de inovação no que se refere ao processo de representação encontrado normalmente no trabalho de Roos. O “murro” e o “beijo” representam bem essa forma inovadora com que o artista trata o processo de impressão. Cobreada a primeira e em tons de azul a segunda fica bem clara a preocupação com a pesquisa e a experimentação que norteou o desenvolvimento desse álbum. Chamam a atenção nessas duas gravuras, as manchas de luz que, com maior ou menor intensidade produzem um efeito marcante nas figuras.
 Da mesma época é a gravura do “flautista” que, ao contrário das demais, chega a ser ingênua, em sua simplicidade e na forma absorta com que se apresenta o personagem.

o beijo - gravura em metal

 Do álbum IGREJAS destacam-se, juntamente com a já citada N. S. do Rosário de Luziânia, as gravuras representativas das igrejas de S. Francisco e Boa Morte da cidade de Goiás, além daquelas de Pilar e Jaraguá.

igreja da Boa Morte - gravura em metal

 Da série “máscaras”, destacam-se mais três gravuras além das já citadas, sendo uma delas pelo preciosismo dos detalhes e outras duas pela irreverência das figuras utilizadas. A primeira apresenta uma textura que é quase a representação de uma renda, não encontrada no trabalho de nenhum outro artista em Goiás. Houve, na execução dessa gravura, a preocupação de associar detalhamento e acabamento de uma qualidade ímpar, com o caricaturato da figura principal. As demais, na mesma linha dos faunos, apresentam figuras em que o corpo humano aparece associado à cabeça de uma coruja, ou ainda apresentando o irracional e o crítico em uma figura que esconde deliberadamente os olhos na tentativa de enganar o observador.

dois palhaços - gravura em metal


Ao observarmos a produção em gravura de Roos, é possível perceber a quantidade de peças elaboradas em curto espaço de tempo, já que seu trabalho utilizando esse processo não excedeu a cinco anos. A variedade de temas, de personagens – entre os novos e os que já faziam parte de sua produção em tela – e de situações, mostram não só a qualidade do que foi feito, mas a criatividade com que foram planejadas e executadas, inovando em vários aspectos tanto no que se fazia quanto no que ainda foi realizado posteriormente por todos aqueles que se envolveram com o processo da gravura em Goiás.

sábado, 23 de novembro de 2013

poesia

não vi
por sobre
o muro da infância
o momento em que
o sol
se despediu

apenas
do outro lado do dia
a lua
surgia aos meus olhos
deslumbrante
e vitoriosa...

deslumbramento - Gustavo Neiva Coelho
ilustração: abstrato - Roos Oliveira 


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

construções religiosas em Vila Boa de Goyáz I


IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE PAULA

 
Fachada principal da igreja de S. Francisco de Paula
Construída em 1761, a igreja de São Francisco de Paula apresenta as características comuns ao geral dos edifícios religiosos da antiga capital da Capitania de Goiás. sua fachada apresenta o tradicional corpo central e as janelas do coro limitadas por molduras de massa em relevo, além de apresentar, nessas janelas, parapeito entalado com balaústre de madeira recortada.
Compondo o conjunto da fachada, dois corpos laterais simétricos são formados internamente por duas salas cada um, apresentando acessos independentes da entrada principal, além de possuírem proporções que destacam mais ainda aquela. Sobre essa portas secundárias podem ser vistos, do lado do Evangelho, uma pequena janela que, segundo a tradição, serviria para deixar entrar o som dos sinos no templo. Do lado da Epístola, que possui o telhado mais baixo, a falta da janela foi até pouco tempo suprida pela colocação de um emoldurado de massa nas mesmas medidas daquele que contorna a janela existente no lado oposto da fachada, o que constituía um elemento falso, mas de uso corrente, tendo a finalidade de manter o equilíbrio e proporções entre formas e medidas dos elementos decorativos, princípio básico da origem ou influência maneirista que tiveram tais edifícios.
O equilíbrio pode ser observado ainda na colocação simétrica das colunas coroadas por pináculos, nos limites do conjunto e na definição do corpo central, limitado ainda na fachada, na linha superior do frontão, por uma cimalha que esconde frontalmente o telhado. encerrando a composição, um óculo centralizado no frontão triangular simples marca uma das características principais desse tipo de construção.
Situada em um terreno rochoso, em um plano elevado em relação à via pública, seu acesso é feito através de duas escadarias de pedras, guarnecidas de muros, que se encontram em um amplo adro, com cruzeiro ao centro, tendo a um lado a estrutura de madeira que serve de sustentação para os sinos.

estrutura de madeira para o sino

Essa é uma das duas únicas igrejas de Vila Boa a apresentar pintura no teto, sendo, entre elas, a única a possuir pintura também no forro da capela-mor. São pinturas evocando trechos da vida de São Francisco de Paula e foram executadas por André Antônio da Conceição, sendo a imagem do padroeiro atribuída ao escultor meiapontense José Joaquim da Veiga Valle. Possui ainda uma imagem do Senhor dos Passos, que segundo a tradição teria vindo da Bahia, sendo na capital goiana, encarnada pelo escultor Veiga Valle, já na segunda metade do século XIX (SALGUEIRO: 1983, p. 268).

                                                      Capela-Mor, mostrando a pintura no teto.
A planta, apesar de extremamente simples, apresenta um número de divisões maior que o de vários outros templos da cidade, possuindo duas salas com uso definido, sendo uma, a sacristia, onde se encontram basicamente, a cômoda para os paramentos e objetos de liturgia, e um pequeno lavabo, em pedra, com detalhes em relevo, para abluções e limpeza dos vasos sagrados. A outra sala, utilizada como consistório pela Irmandade do Senhor dos Passos que, por sinal, é a única ainda existente na cidade, tendo se transferido para essa igreja em 1863, por se encontrar arruinada a Catedral de Sant’Anna, onde se encontrava sediada. Duas outras salas, utilizadas como depósitos, compõem o conjunto, sendo que a do lado da Epístola dá acesso ao púlpito, ficando na sala do lado do Evangelho a escada que conduz ao coro.
Essa igreja possui um dos mais bem talhados arcos cruzeiros, além de um belo trabalho de decoração no coroamento das vergas das portas internas e do púlpito.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Arquitetura Manuelina I

Diz Pedro Dias (1994, p. 65) em um de seus estudos sobre a arquitetura de origem muçulmana em Portugal, que vários podem ter sido os motivos para o surgimento de um novo interesse português pela arquitetura de origem árabe, ocorrido no início do século XVI. Um deles teria sido o retorno ao país de um grupo de nobres que, por motivos políticos havia se exilado por algum tempo em Sevilha, voltando logo após a posse de D. Manuel I, nos anos finais do século XV. Desse fato, ficam registrados elementos arquitetônicos e decorativos esparsos, copiados de originais espanhóis, nas casas senhoriais de alguns desses nobres.
Com características especiais e expressando referências mouras, aparecem com maior intensidade e com um caráter próprio, os edifícios oficiais construídos por D. Manuel I em sua volta da viagem empreendida aos domínios do sogro, no decorrer de 1498. Era já conhecido, de tempos anteriores, o gosto do monarca português por tudo o que fosse de origem árabe, chegando seu principal biógrafo a dizer que

com o rei português havia sempre músicos mouriscos que cantavam e tangiam alaúdes e pandeiros, ao som dos quais os moços fidalgos dançavam; também para as corridas de touros o próprio rei mandava distribuir vestidos e jaezes árabes (Dias, 1994, p. 66).

Assim, voltando de sua viagem à Espanha, D. Manuel I empenhou-se na já referida reforma em seu palácio de Sintra, onde fica claro esse gosto pelo oriental, além do entusiasmo que teve com a produção da arquitetura árabe encontrada em seu vizinho ibérico. Portas, janelas, pisos, azulejos sevilhanos, ambientes e detalhes construtivos de toda ordem aparecem nesse edifício.
A partir daí e até o final do governo de D. Manuel I, grande foi o número de edifícios construídos com essas características, tanto em sua totalidade como é o caso da Torre de Belém, do Mosteiro dos Jerônimos, do Mosteiro da Batalha, do Convento de Cristo, em Tomar ou do Convento de Jesus, em Setúbal, como o uso de elementos isolados, principalmente em portadas, como acontece na igreja de S. Pedro, em Torres Vedras; na matriz de Vila do Conde, ou em outros detalhes como as janelas da Casa dos Coimbras, em Braga – de norte a sul do país.

Torre de Belém

Mosteiro da Batalha

A arquitetura resultante das intervenções de D. Manuel I apresenta questões de particularidade que merecem algumas observações.
Assumiu D. Manuel I o trono português em um momento particularmente importante da história: a América acabava de ser descoberta (1492); as rotas portuguesas para o oriente via sul da África estavam praticamente definidas; o Tratado de Tordesilhas sendo assinado com a Espanha (1494); a tomada de Granada (1492) – último reduto muçulmano em Espanha – pelos reis católicos; na Itália, Leonardo da Vinci concluía a Santa Ceia (1497) e Michelangelo finalizava a Pietá (1499). Por outro lado, Portugal saia de um período de austeridade cultural, sob o reinado de D. João II, que fazia com que a arquitetura portuguesa mantivesse em fins do século XV, muito das características medievais que marcaram sua história até então.
E foi reunindo todos esses elementos e informações que D. Manuel I imprimiu um caráter moderno e revolucionário à arquitetura portuguesa de então, associando elementos das arquiteturas medieval, renascentista e mourisca, aos ideais da navegação, com a utilização como elementos decorativos: a cordoalha, o barrete, monstros marinhos, conchas, vegetação, criando com isso essa arquitetura impar que só recebeu o nome pelo qual é hoje conhecida, no decorrer do século XIX, em consequência dos estudos do historiador brasileiro Francisco Adolfo Vernhagen sobre um dos principais monumentos manuelinos: o Mosteiro dos Jerônimos.

Mosteiro dos Jerônimos

Ocorre, dentro disso tudo, provocado pelas intervenções de D. Manuel, um movimento que será considerado

único na arquitetura lusitana, em que todos esses elementos (medievais, renascentistas e mouriscos) se fundem ao ideal de navegação, produzindo o que seria mais um elemento decorativo do que um estilo arquitetônico propriamente dito: o manuelino. O mar e a navegação passam a ser, nesse momento, os grandes fornecedores das imagens a serem utilizadas como material decorativo e de composição. Velames, barretes de marinheiro e principalmente cordoalhas serão largamente empregados, e da maneira mais naturalista possível. São explorados com requinte ainda não conhecido pela arquitetura portuguesa os elementos estruturais do gótico e a decoração das janelas e dos arcos, utilizados pelos muçulmanos em seus edifícios ibéricos (Coelho, 1991, p. 108).

Apesar de ter sido de curta duração – apenas o tempo compreendido pelo reinado de D. Manuel I, de 1495 a 1521 –, esse foi um momento de grande importância para o desenvolvimento posterior da arquitetura portuguesa, levando-a inclusive a um posicionamento mais equilibrado, a partir daí, com os estilemas desenvolvidos no restante da Europa. De um modo geral, a arquitetura desenvolvida em Portugal nesse momento manteve, segundo John Bury (1991), a predominância arquitetônica do gótico tardio nas construções portuguesas do início do quinhentismo, abandonando-a, posteriormente, em favor de influências mais ligadas aos modelos de determinações renascentistas, sobretudo o Maneirismo, de grande aceitação não só estética como também política, principalmente por ter, como maiores incentivadores, os padres da Companhia de Jesus, líderes da Contra-Reforma portuguesa.