o flautista - gravura em metal
Com sua produção artística voltada basicamente para a pintura em acrílica
sobre tela, Roos Oliveira foi um dos artistas que, entre o final da década de
1970 e início da de 1980, buscou na gravura uma forma de extravasar sua
criatividade, quando, então, desenvolveu várias experiências com a xilogravura,
litografia e gravura em metal – tendo produzido nesse período dois álbuns de
gravuras intitulados IGREJAS e CLÃ – além é claro, de inúmeros outros trabalhos
com temas diversificados, o uso de técnica mista e o acabamento próprio que
caracteriza seu trabalho artístico.
Muito por insistência de D. J. Oliveira, que via em sua forma peculiar de
desenho, uma grande possibilidade de desenvolvimento de trabalhos com gravura,
Roos partiu para a nova experiência, aprendendo os processo de preparo e
gravação de chapas, prensagem e tiragem de exemplares, trabalhando sempre no
ateliê do mestre.
Uma de suas primeiras experiências com a gravura fora do ateliê de D. J.
Oliveira aconteceu em São Paulo com a produção de alguns trabalhos em
litogravura, infelizmente de tiragem muito pequena, com pouca ou quase nenhuma
divulgação. Desse período, o trabalho que mais se destaca é a gravura “meia e
chapéu” com tiragem de 50 exemplares, onde toda a trama impressa gira em torno
e em função de valorizar a grande mancha branca central, representado pelo
corpo de uma mulher. Interessante é observar nessa gravura a forma como estão
dispostas as manchas, o movimento das cores, o jogo de claro e escuro, além dos
cortes, bem característicos do trabalho de Roos.
meia e chapéu - litogravura
No que se relaciona às gravuras em metal, observa-se também que um dos
personagens que sempre frequentou sua produção em tela, a figura de São
Francisco foi uma que também visitou com regularidade as chapas de gravura –
principalmente nos trabalhos desenvolvidos na década de 1970 – tanto em
impressões em preto e branco, quanto em algumas gravuras onde o artista se
permitiu o uso da cor. Característica comum a praticamente todas as gravuras em
que Roos utiliza a figura de São Francisco é a proximidade da expressão do
personagem com a de pessoas comuns que, supomos, podem ser vistas a qualquer
momento nas ruas de nossas cidades: esqueléticos, sofridos, meio santos e meio
loucos, além da dramatização explorada pelo artista na forma de preparar as
chapas para impressão.
São Francisco - gravura em metal
Da mesma forma que São Francisco, o palhaço, outra figura emblemática na
obra do artista, comparece em sua produção de gravuras, protegido ou mesmo
escondidos sob grossas máscaras, que conferem ao personagem um ar de zombeteira
provocação. Em uma série de gravuras intitulada MÁSCARA, as figuras utilizadas
– palhaços ou não – demonstram bem o lado questionador e provocativo do
artista, onde, na maioria das vezes o expectador é que se sente observado,
provocado no sentido de dar respostas. No entanto, nesta série são mesmo os
palhaços aqueles que mais se destacam como característicos da expressividade
crítica do artista, onde seu traço rápido e preciso demonstra o ambiente vivido
à época, assim como a variedade de representações do personagem demonstram
também o nível por que passava o processo criativo de Roos.
É interessante observar também que, no caso de algumas gravuras, a
preservação da sequência de provas de tiragens conseguiu registrar o processo
de produção, onde os exemplares conservados mostram as etapas de entintamento
da chapa, da primeira à última impressão, funcionando esse conjunto como uma aula
dessa técnica artística. a primeira das gravuras mostra o palhaço ainda em
preto e branco, em um nível básico de impressão. Na segunda imagem, as cores já
começam a aparecer, para se apresentarem fortes e definitivas na última das
três gravuras.
O mesmo pode ser visto com a sequencia de duas representações da mesma
gravura dedicada à igreja de N. S. do Rosário de Luziânia – pertencente ao
álbum IGREJAS –, em que não só o entintamento, mas também o processo de preparo
da matriz ficou registrado, com toda a dramaticidade expressa na gravação
definitiva, que se apresenta bem diferente do que foi registrado na impressão
de prova.
máscara - gravura em metal
Desse período (anos 1970 e 1980) são também os FAUNOS, que aparecem em gravuras e desenho a
nanquim, excluídos, porém, das obras em tela do artista, provavelmente pelo
fato de essa técnica não comportar determinados aspectos de expressividade dos
personagens que melhor se viabilizam através do traço simples e direto próprio
do desenho ou ainda dos riscos específicos da gravura.
Extremamente divertidos, cínicos e amorais, esses personagens representam
uma época de grande descontração no desenvolvimento das artes em Goiás. Seriam,
talvez, o símbolo dessa descontração, representada pelo trabalho de um de seus
artistas mais expressivos.
fauno e pássaro - gravura em metal
Com as mesmas características críticas desses personagens, aparecem
também as gravuras do “bêbado”, “cabeças e arlequins” e “marionetes”, onde o
tratamento da matriz e o uso de claro e escuro contribuem para destacar o
caráter físico e caricatural dos personagens. É também clara nessas últimas
gravuras, a influência de outros processos de trabalho do artista, como as
manchas, próprias de sua pintura em tela que, no caso das gravuras se expressam
como variações em tons de cinza.
O auge do trabalho de Roos, no que se relaciona às gravuras, foi a
produção dos álbuns IGREJAS DE GOIÁS (1978) e CLÃ (1979). No que se relaciona
às IGREJAS, é visível a influência de D. J. Oliveira, no traço, na expressão do
desenho, no sombreamento e mesmo na escolha dos ângulos de representação,
influência, aliás, reconhecida e assumida pelo próprio artista. Quanto ao CLÃ, a
independência de Roos em relação ao mestre já bem definida. A escolha dos temas
e a precisão no traço já são plenamente reconhecíveis como pertencentes à mão
de Roos. Nas gravuras incluídas nesse último álbum, houve a pretensão, segundo
o próprio artista, de representar suas vivências naquele período, associando a
isso a tentativa de criar uma metáfora própria, independente do grupo de
artistas com quem convivia à época. Além disso, os personagens utilizados foram
quase todos criados em função daquele projeto.
Os personagens que compõem o álbum CLÃ trazem ainda um certo grau de
inovação no que se refere ao processo de representação encontrado normalmente
no trabalho de Roos. O “murro” e o “beijo” representam bem essa forma inovadora
com que o artista trata o processo de impressão. Cobreada a primeira e em tons
de azul a segunda fica bem clara a preocupação com a pesquisa e a
experimentação que norteou o desenvolvimento desse álbum. Chamam a atenção
nessas duas gravuras, as manchas de luz que, com maior ou menor intensidade
produzem um efeito marcante nas figuras.
Da mesma época é a gravura do
“flautista” que, ao contrário das demais, chega a ser ingênua, em sua
simplicidade e na forma absorta com que se apresenta o personagem.
o beijo - gravura em metal
Do álbum IGREJAS
destacam-se, juntamente com a já citada N. S. do Rosário de Luziânia, as
gravuras representativas das igrejas de S. Francisco e Boa Morte da cidade de
Goiás, além daquelas de Pilar e Jaraguá.
igreja da Boa Morte - gravura em metal
Da série “máscaras”, destacam-se mais três gravuras além das já citadas,
sendo uma delas pelo preciosismo dos detalhes e outras duas pela irreverência
das figuras utilizadas. A primeira apresenta uma textura que é quase a
representação de uma renda, não encontrada no trabalho de nenhum outro artista
em Goiás. Houve, na execução dessa gravura, a preocupação de associar
detalhamento e acabamento de uma qualidade ímpar, com o caricaturato da figura
principal. As demais, na mesma linha dos faunos, apresentam figuras em que o
corpo humano aparece associado à cabeça de uma coruja, ou ainda apresentando o
irracional e o crítico em uma figura que esconde deliberadamente os olhos na
tentativa de enganar o observador.
dois palhaços - gravura em metal
Ao observarmos a produção em gravura de Roos, é possível perceber a
quantidade de peças elaboradas em curto espaço de tempo, já que seu trabalho
utilizando esse processo não excedeu a cinco anos. A variedade de temas, de
personagens – entre os novos e os que já faziam parte de sua produção em tela –
e de situações, mostram não só a qualidade do que foi feito, mas a criatividade
com que foram planejadas e executadas, inovando em vários aspectos tanto no que
se fazia quanto no que ainda foi realizado posteriormente por todos aqueles que
se envolveram com o processo da gravura em Goiás.