terça-feira, 9 de junho de 2009

iconografia vilaboense VII

O PROSPECTO DE 1803

Praticamente desconhecido, até os anos finais do século XX, esse desenho teve maior divulgação através do trabalho do professor Nestor Goulart Reis Filho, que o incluiu em seu livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, lançado no ano 2000. Elaborado durante o governo de D. João Manoel de Menezes, por Joaquim Cardozo Xavier, sargento do regimento de infantaria de Vila Boa, apresenta a Vila nos anos iniciais do século XIX, em um momento particularmente especial para a região, após o esgotamento total das lavras de ouro e as tentativas e sugestões de Cunha Menezes no sentido de dar ordenação correta ao crescimento e desenvolvimento desse núcleo, centro administrativo da Capitania. Tem esse desenho como principal característica, a escolha do local de observação, já que foi elaborado a partir do adro da Igreja de Santa Bárbara, local desde sempre considerado o melhor mirante da cidade.




A primeira coisa que se observa nesse desenho é aquilo que já se conhece desde a vinda do Conde D’Alva, ou seja, a maior intensidade de ocupação na região originalmente conhecida como sendo o arraial, estando até esse momento, a região definida por aquele governador paulista, praticamente desabitada, ou mesmo com número insignificante de edificações, se comparado ao total do conjunto da Vila.
Edifícios como a Casa de Câmara e Cadeia, a Igreja Matriz, a Igreja da Boa Morte e o sobrado da Real Fazenda, comparecem com toda a sua monumentalidade, enquanto a custo podem ser identificadas as demais construções religiosas, estando tanto o quartel quanto o palácio dos governadores, em posição tal que quase não podem ser vistos no desenho.
Aqui, as igrejas do Rosário, Lapa e Abadia, são identificadas apenas pelas suas torres, estando a igreja de N. S. do Carmo identificada apenas por sua cobertura e a pequena igreja de São Francisco apresentada em posição frontal, tendo a seu lado o antigo sobrado pertencente ao seu patrimônio. A respeito desse sobrado diz o Vice-Presidente da Província, João Bonifácio Gomes de Siqueira, em seu relatório de 1864, que,

por ordem da Presidência, de 16 de janeiro ultimo, foi alugado o sobrado pertencente á capella de S. Francisco de Paula pela quantia mensal de 10$00 réis, pagando-se metade dessa quantia á capella, e sendo a outra metade applicada á amortisação das despezas que pelo cofre provincial se fizeram com os concertos d’esse edifício, que estava muito arruinado, e hoje está reedificado com um só pavimento.

Diz ainda o Vice- Presidente da Província, que o objetivo do governo no reparo de tal edificação era poder oferecer espaço digno aos comerciantes que ali quisessem estabelecer suas casas de negócio.
Ainda com relação às igrejas do Rosário, Lapa e Abadia, o que se observa são as duas torres do Rosário, da maneira como sempre foram vistas, em praticamente todas as imagens em que esse edifício aparece: atarracadas, baixas e volumosas. A torre da igreja da Lapa aparece aí esguia e com altura bem acima do corpo do edifício, também de forma conhecida nos desenhos posteriores, elaborados por Burchell, vinte e cinco anos depois. Diferente do conhecido é a forma como se apresenta a torre da igreja de N. S. da abadia, com uma cobertura piramidal, completamente diferente do conhecido, levando-se em consideração que, das três, é a única que ainda se apresenta preservada, já que a do Rosário foi substituída por outra construção nas décadas iniciais do século XX e a da Lapa desapareceu em uma enchente do Rio Vermelho, na década de 1830.
Destacam-se ainda nesse desenho, na parte superior, na altura da Casa de Câmara e Cadeia, a grande construção da chácara do ajudante de ordens, com suas plantações. Na parte esquerda um sobrado que, pelo desenho, demonstra um apurado acabamento, provavelmente seria a casa do cirurgião-mor Antonio Lourenço da Neiva que Cunha Mattos (1979, p.96) faz referencia em sua Chorographia Histórica da Província de Goyaz, dizendo ser mui vasta, elegante e tem um rico oratório. Está fora da cidade um tiro de espingarda. Quanto a esse rico oratório indicado por Cunha Mattos, existem outros documentos informando ser uma capela particular de uso público, conhecida pelo nome de Capela de N. S. da Barranca.
Podem ser vistos ainda o antigo Palacete Rocha Lima, atualmente sede da representação do IPHAN na cidade, a grande alameda implantada no governo de Cunha Menezes, sobre a estrada que demandava ao Arraial da Barra e os muros deteriorados do que deveria ter sido o recinto do Campo da Forca. Não existe nesse desenho a referência ao Campo da Forca, mas o que aí se apresenta coincide com a indicação do mapa elaborado em 1782, o que leva à conclusão de ser essa ruína o local da forca, já em 1803 tal atividade não existia mais em Goiás.
Apesar do ângulo do desenho não permitir uma observação mais detalhada, é possível, mesmo assim, perceber a existência de um sobrado ao lado do Quartel, voltado para o Largo da Cadeia. Apesar de também aí não haver indicação concreta, tudo leva a crer que esse sobrado seja o mesmo apresentado no prospecto de 1751, referenciado como sendo as Cazas da Real Intendência.
Apresenta esse desenho, como grande diferenciador em relação aos demais existentes sobre Vila Boa, que é a precisão dos detalhes e a boa perspectiva desenvolvida por seu autor, o que permite um total entendimento da forma como estava implantada e estruturada a capital goiana nesse início do século XIX.

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