terça-feira, 5 de maio de 2009

iconografia vilaboense VI

Prospecto de Villa Boa tomada da parte do Esnoroeste para Les Sueste no anno de 1751

Situando o observador em um ponto mais elevado do lado do Rosário, ou seja, à margem direita do Rio Vermelho, esse desenho é o que menos mostra do primitivo arraial, detendo-se mais nos aspectos da Vila e seu total estado de abandono, considerando-se o fato de haver sido demarcado para sediar o poder e, depois de decorridos doze anos estar seu entorno ainda totalmente desocupado de construções.

Organizado como os precedentes, apresenta na parte intermediária entre a legenda e a representação da Vila, a linha de contorno, com a indicação da Serra Dourada, e na parte inferior, o Rio Vermelho, também referenciado.
É possível observar a Igreja Matriz por um ângulo diferente, destacando sua parte posterior, ainda com a referência aos locais dos consistórios das irmandades do Santíssimo e do Senhor dos Passos.
Na Vila, é possível ver, agora em posição frontal, o sobrado da Real Intendência ao lado da avantajada porta de acesso ao Quartel dos Dragões, além de uma fileira de casas que, pela posição no desenho, estariam voltadas para a Travessa do Quartel, minúsculo beco que liga o Largo da Cadeia à Rua do Horto.
Apresentando maior destaque, comparece a Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, mostrando inclusive uma porta de acesso lateral e janelas. Caminhos mostram a demarcação do espaço público, ligando a Intendência à Capela, à Casa da Câmara e Cadeia e, descendo pelo lado contrário ao da Intendência, rumo ao arraial, provavelmente no leito da antiga estrada que demandava a Cuiabá.
Aparecem ainda algumas casas isoladas, no entorno do Largo e uma concentração de edifícios junto à Matriz, ou seja, no arraial, mostrando o que já se sabia desde a vinda do Conde D’Alva: o estabelecimento da população de maneira já consolidada no arraial, por sinal o maior da região dos Goyazes, e sua indisposição tanto para acatar ordens, quanto para demolir o que já estava acomodado, para construir na Vila, e eliminar de certa forma, as facilidades de acesso às catas, ao comércio e às igrejas, construídas com certo rigor.
Observa-se ainda a vegetação entremeando a área edificada e o meio do Largo.
A documentação iconográfica de Vila Boa, ao longo do tempo, tem a força de poder mostrar a maneira como foram os espaços ocupados, construídos seus principais edifícios e, principalmente ilustrar no devido momento, os fatos políticos ocorridos, principalmente nas décadas iniciais de sua estruturação.
Assim, podemos ver no primeiro desenho dessa série, o requinte de acabamento das casas estabelecidas no Largo da Matriz, único desenho em que o autor se declinou a referenciar os moradores. São construções que apresentam um esmerado acabamento nas janelas, com o uso de rótulas e treliças, não tendo nenhuma chegado aos nossos dias e das quais só tivemos notícias através desses desenhos, já que a documentação escrita dá sempre conta de construções provisórias sem qualquer preocupação com acabamento mais elaborado.
É possível também perceber, pelo outro lado da história econômica, a simplicidade com que são descritas as casas da Rua da Cambaúba, quando a Rua dos Mercadores faz uma curva para a esquerda e começam a aparecer as primeiras janelas nas edificações desse conjunto. Essa é a rua a que Bertran se refere quando diz ser o local de residência de negros forros, e provavelmente local dos primeiros assentamentos mineradores, contraponto informal ao Largo da Matriz, sede do Arraial e local de residência dos donos da mineração e do poder. Próximo aos limites urbanos da aglomeração, sedia também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em torno da qual se congregam, da mesma forma como acontece com as demais edificações religiosas.
A massa edificada descrita nos dois primeiros desenhos demonstra não só a fixação em torno de determinados pontos, promovendo uma setorização que, em hipótese alguma pode ser considerada como intencional, proposital, ou resultado de qualquer forma de planejamento erudito. Assim, a Igreja de Nossa Senhora da Lapa, dos mercadores, está a meio caminho entre a Rua dos Mercadores e a Rua Direita – dos Negócios, como aparece no primeiro desenho –, colocando no principal trecho da porção urbana da estrada que à época ligava São Paulo a Cuiabá, os comerciantes e sua igreja, com consistório de Irmandade. Nesse ponto da cidade, Bertran (1997, p.52, v. 2) supõe que

No século XVIII, estabelecessem-se as maiores lojas de fazenda seca da Capitania, com seus estoques de ferramentas para mineração, armas, munições, louças, pratarias, imagens e toda sorte de quinquilharias. Havia também os armazens de molhados e efeitos do reino, com seus tecidos, água de cheiro, papel, tintas, bacalhau, velas, etc. Devia estar por ali também o mercado de escravos, talvez como retratado por Debret, abrigado do sol, numa sala ou varanda oblonga.

Tudo isso nos leva ao entendimento de uma forma de ocupação das margens da estrada e de seu entorno imediato – e depois mais afastado, à medida que o crescimento da população ia exigindo espaços mais amplos –, com o primeiro trecho associado a uma população mais pobre, de cor e estabelecida em torno de sua igreja e confraria. O segundo trecho e intermediário aos demais, ocupado pelos comerciantes com sua igreja e irmandade e, o terceiro trecho, mais afastado das margens do rio – representando uma tradição dos núcleos mineradores – em um local mais alto e plano, mantendo inicialmente certa rusticidade das construções, implantou-se uma capela dedicada à invocação do santo do dia da instalação do assentamento, no caso, Nossa Senhora de Sant’Anna (Coelho, 2001, p. 173).
Na seqüência, e último trecho urbano da estrada, o espaço demarcado e destinado ao uso pela administração.
Forma extremamente aleatória e tradicional de estabelecimento minerador – Suzy de Mello já observava isso em 1985 – sem obedecer a qualquer plano ou traçado regulador, surge o Arraial de Sant’Anna, comprovado aqui por esses três prospectos elaborados por Tozzi Colombina como pretende Joaquim Craveiro, ou por um anônimo preocupado em registrar um momento do desenvolvimento da nascente capital, como pretende Bertran. O certo é que, não custa lembrar Argan (1995, p.235), o que define, conserva e transmite a uma cidade o seu caráter próprio é a atuação de cada um dos seus habitantes, sozinho ou em grupo, no sentido de garantir a cada elemento urbano sua integridade, opondo-se à destruição de alguns fatos construídos que representam, para ele, cidadão, todo um contexto simbólico e místico que a seu ver representam também a cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário